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Cultura, sotaque e propósito: a importância da representatividade nordestina na publicidade nacional

Por Redação

08/10/2025 14h42

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Embora a região represente quase um terço da população e movimente mais de um bilhão de reais em publicidade, apenas 22% de seus habitantes se sentem representados nas campanhas atuais.

O Nordeste é uma das maiores potências culturais e econômicas do Brasil, mas continua sendo um dos territórios menos representados quando o assunto é comunicação e publicidade. Neste Dia do Nordestino, celebrado em 8 de outubro, a data ganha um novo significado: mais do que celebrar sotaques, sabores e ritmos, é hora de refletir sobre por que ainda é raro ver essa diversidade retratada de forma autêntica nas campanhas que circulam pelo país.

O nordeste, de acordo com o último censo do IBGE, é a casa de quase 27% da população brasileira, cerca de 55 milhões de pessoas do país. Ainda assim, o espaço dado aos nordestinos nas telas e anúncios segue desproporcional. De acordo com a pesquisa Diálogo com os Brasileiros, apenas 22% das pessoas da região dizem se sentir representadas pela publicidade atual. Um número que escancara um abismo entre quem produz comunicação e quem de fato a consome.

Para Emerson Braga, diretor de criação da agência baiana PROPEG, essa distância não vem da falta de interesse do público, mas de uma limitação histórica do próprio mercado. “O brasileiro quer se ver, mas a publicidade ainda não sabe mostrar o Brasil inteiro. As marcas nacionais enfrentam o desafio de falar com um país que são vários países, e às vezes o orçamento limita a regionalização. Por outro lado, as marcas regionais fazem comunicação autêntica, mas não ganham visibilidade nacional. O problema não é só a falta de boas ideias, é o mercado, o trade, a imprensa, os festivais, que ainda não valorizam a potência da publicidade regional. Falta abrir espaço para mostrar que a riqueza cultural do Brasil é justamente o que torna a nossa propaganda única”, afirma.

O público, no entanto, vem mostrando que deseja outra narrativa. O mesmo estudo aponta que 87% dos brasileiros afirmam gostar de ver diferentes sotaques nas campanhas, reforçando que diversidade é um desejo coletivo, e não apenas regional. Ainda assim, o sotaque nordestino continua sendo pouco explorado quando o assunto é construir marcas e narrativas nacionais. 

Ignorar o Nordeste é, além de um erro simbólico, um equívoco de negócio. De acordo com estudos da Cenp-Meios, a região voltou a ocupar o posto de segundo maior mercado de consumo do país e movimenta mais de R$ 1,2 bilhão apenas em publicidade. Além disso, segundo dados da Kantar Ibope Media, os consumidores nordestinos consultam em média 3,4 fontes de informação antes de decidir uma compra, e 44% deles afirmam que a publicidade influencia suas escolhas, número superior à média nacional. Ou seja, o Nordeste não apenas consome: ele presta atenção, se identifica e responde à comunicação que fala com ele.

Para Rodne Torres, sócio e diretor de criação da Acesso Estratégia Criativa, agência do Ceará, o desafio passa por barreiras estruturais que ainda limitam o crescimento da publicidade regional. “Apesar do peso cultural e econômico do Nordeste, ainda enfrentamos barreiras estruturais para consolidar uma presença mais autêntica na publicidade nacional. Entre os principais fatores estão a visão de curto prazo, que a maioria dos empresários locais ainda prioriza ações promocionais imediatistas em vez de investir em construção de marca, o mercado menos competitivo, em regiões com menos concorrência, como muitas praças nordestinas, o incentivo à diferenciação por branding ainda é baixo — diferente de mercados mais agressivos como São Paulo, e a fuga de talentos, que baixo investimento em marketing e comunicação torna nosso mercado menos atrativo, o que leva muitos profissionais qualificados a migrar para outras regiões.” explica.

Entre os reconhecimentos recentes, PROPEG e Acesso Estratégia Criativa se encontraram no palco do Clube de Criação, uma das premiações mais prestigiadas da publicidade brasileira. Para Emerson Braga, a conquista simboliza mais do que um troféu: “Ganhar o prêmio do Clube de Criação é importante, sim, principalmente porque reconhece que existe vida criativa fora do eixo. Só acho que o Clube — e aqui não é uma crítica, e sim uma sugestão — deveria ter um olhar mais brasileiro para os cases que premia. Já temos festivais que julgam a publicidade ‘universal’. O Clube poderia assumir mais esse papel de liderar um movimento pela publicidade autêntica. Propaganda brasileira feita pra gringo ver é o que não falta. O que falta é propaganda boa feita pra brasileiro ver.”

Rodne compartilha da mesma visão, reforçando que o prêmio tem um peso simbólico para a cena criativa nordestina. “Ser reconhecido pelo Clube de Criação é uma conquista que vai além do prestígio: é a prova de que criatividade, quando aliada à cultura e propósito, pode ultrapassar qualquer limitação de verba ou estrutura. Em 2019, entramos no Anuário com ‘O Sabor da Nossa História’, um projeto que celebrava o aniversário da São Geraldo e reverenciava a cultura nordestina. Em 2025, retornamos ao Anuário com três marcas cearenses: Unimed Fortaleza, Instituto Casa Vida (ICC) e Fortaleza EC com o projeto ‘Escudo da Prevenção’, que transformou o escudo do clube em símbolo de combate ao câncer de mama. Passar por um júri criterioso e conquistar esse reconhecimento, mesmo competindo com produções de budgets muito superiores, mostra que o Nordeste tem voz, talento e criatividade de sobra.”

Campanha da Acesso Comunicação e da São Geraldo vencedora do Clube de Criação

E é justamente a São Geraldo, marca cearense de refrigerantes, que se tornou um dos maiores exemplos de como é possível fazer comunicação autêntica e, ao mesmo tempo, relevante nacionalmente. Intitulada “o sabor do Nordeste”, a marca tem apostado em campanhas que celebram suas raízes e falam diretamente com o público local. Para Tiago Caldas, gerente de marketing da São Geraldo, o Dia do Nordestino é uma oportunidade de reforçar essa conexão. “É uma data muito importante para o nosso calendário, pois é uma oportunidade de demonstrar nossa pluralidade, e de falar daquilo que somos e valorizamos enquanto marca genuinamente nordestina. Tudo isso de maneira genuína, sem as caricaturas e artificialidades que vemos em campanhas de algumas marcas que tentam se apropriar daquilo que é nosso.”

Essa autenticidade tem se traduzido em laços reais com o público. Segundo Tiago, “as pessoas se sentem donas da marca por se sentirem representadas e acabam se tornando embaixadoras dela como forma de reciprocidade”. A identificação atravessa fronteiras regionais: “Até quem não é da região Nordeste acaba criando uma conexão com a marca pela sua capacidade de gerar memórias afetivas em momentos especiais que os turistas passam em nossa região”, completa.

O sucesso da São Geraldo mostra que representar o Nordeste não é um risco, e sim uma oportunidade. Enquanto muitas campanhas ainda buscam “falar com o Brasil” a partir de uma lógica centralizada, marcas como ela têm mostrado que é justamente ao valorizar o sotaque, o calor humano e as referências locais que a publicidade ganha força, verdade e alcance.