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Daniel Monteiro comenta sobre o DeepSeek, novo modelo de IA que gerou burburinho no mercado global

Por Lucas Abreu

03/02/2025 17h33

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Ferramenta desenvolvida por startup chinesa possui funções similares ao ChatGPT, com custos de desenvolvimento 70 vezes menor

Na semana passada, o mundo testemunhou a chegada do DeepSeek-V3, novo modelo de treinamento de inteligência artificial desenvolvido por uma startup chinesa, em um investimento que custou menos de US$ 6 milhões. O aplicativo gerou burburinho no mercado global, pegando de surpresa os executivos das Big Tech estadunidenses, graças às suas funções similares ao ChatGPT, desenvolvido pela empresa Open AI, a um custo 70 vezes menor. Além disso, o DeepSeek-V3 foi disponibilizado gratuitamente, com seu software disponibilizado livre para os usuários.

Não demorou muito para que o aplicativo alcançasse o primeiro lugar nos downloads das lojas de aplicativos norte-americanas e iniciasse uma desvalorização de mais de 1 trilhão em valor de mercado para as empresas de tecnologia localizadas no Vale do Silício. A fabricante de chips para computação móvel Nvídea foi a mais afetada, com perda de quase US$ 570 bilhões em valor de mercado.

O impacto do DeepSeek-V3 também chamou a atenção da Casa Branca, com um pronunciamento do presidente Donald Trump, que afirmou que a chegada da nova ferramenta era uma alerta vermelho para as empresas do mercado norte-americano. Trump, recentemente, anunciou um megaprojeto chamado Stargate, que pretende financiar as infraestruturas de empresas como a Open AI, com uma verba de meio trilhão de dólares ao longo dos próximos quatro anos de sua gestão. O objetivo é competir diretamente com o mercado tecnológico chinês e manter a hegemonia dos Estados Unidos no setor.

Para comentar sobre o DeepSeek e um pouco de suas implicações no mercado e na geopolítica mundial, o Nosso Meio conversou com o diretor-executivo da Digital College e especialista em cibersegurança, Daniel Monteiro. O profissional atua há mais de 20 anos na área de tecnologia e é especialista em segurança da informação, computação em nuvem e transformação digital.

Confira a entrevista completa, abaixo:

Nosso Meio: Lançado na última semana, o DeepSeek causou um enorme burburinho no mundo da tecnologia, superando o ChatGPT como aplicativo gratuito mais baixado nos Estados Unidos. Antes de começar de fato nas discussões sobre esse assunto, você poderia nos conceituar sobre como funcionam os chatbots de inteligência artificial e o porquê de eles serem tão importantes para o mercado de tecnologia?

Daniel Monteiro: Na verdade, eles não são importantes só para a tecnologia. Eles são importantes em qualquer área que você possa imaginar que envolva trabalho. Os chatbots de inteligência artificial generativa, como ChatGPT e DeepSeek, são modelos capazes de realizar atividades repetitivas, automatizáveis e que envolvem criatividade e análise de dados de uma maneira sobre-humana. Então, eles são criativos e possuem raciocínio lógico. Essas ferramentas vão ser uma nova dimensão das IAs, e nós vamos utilizá-las para nos tornamos mais produtivos por meio delas. Isso para todas as áreas de conhecimento.

Nosso Meio: Os criadores do DeepSeek alegam que a ferramenta possui um código aberto. Na prática, o que isso representa para os usuários e para o mercado de tecnologia?

Daniel Monteiro: Os chamados software livres não são novos no mercado de tecnologia. Na verdade, eles existem desde a década de 90. O que vai mudar nessa jornada, com o surgimento de um grande concorrente com o código aberto, é que qualquer pessoa pode utilizar e incorporar na sua empresa de forma gratuita e melhorar o código do DeepSeek. Isso é algo que não pode ser enxergado no ChatGPT, porque ele é uma plataforma fechada. Todas as melhorias e contribuições sempre são dadas pela empresa OpenAI. E eu enxergo que, assim como aconteceu no mercado de sistemas operacionais e de celulares, um não vai anular o outro. Na verdade, inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, DeepSeek e Gemini, vai se tornar uma commodity.

Nosso Meio: Por ser um sistema operacional tão bom quanto o ChatGPT e possuir um custo de desenvolvimento menor, o DeepSeek acabou criando uma desvalorização de quase 1 trilhão de dólares em valor de mercado das Big Techs. A Nvídea, por exemplo, teve uma perda de 465 bilhões na bolsa de valores, ameaçando a hegemonia dessas corporações. Entretanto, alguns especialistas em tecnologia, como o Pedro Burgos, por exemplo, apontam que essa desvalorização não será algo perene até pelas movimentações internas que essas empresas de tecnologia estão fazendo para reverter a situação e evitar terem mais perdas. Você concorda com essa visão dos especialistas? Se sim, você acredita que as Big Techs vão contra-atacar para manter o seu posicionamento hegemônico no mercado de tecnologia?

Daniel Monteiro: A principal razão dessa desvalorização foi o fato do DeepSeek conseguir treinar modelos de inteligência artificial equivalente ao do ChatGPT a um custo muito baixo. O fato do custo de treinamento ser baixo impactou diretamente na segunda maior empresa do planeta, a NVidia, que é o fabricante dos processadores que treinam a IA. Então, se conseguirmos desenvolver a um custo mais baixo, isso reduz a dependência por esses processadores e, consequentemente, diminui-se também o valor de mercado das outras empresas. A corrida das outras empresas agora vai ser para treinar os seus modelos de IA a um custo semelhante para terem essa competitividade com DeepSeek. Então, na minha visão, esse encolhimento do mercado de inteligência artificial deve ser perene.

Nosso Meio: O presidente Donald Trump disse que o DeepSeek é um sinal de alerta para as Big Techs norte-americanas na corrida global para a dominação da inteligência artificial. Essa fala está relacionada tanto a questões da economia norte-americana, quanto da geopolítica mundial, onde nós temos duas potências econômicas (EUA e China) competindo para ver quem garante a liderança dos mercados tecnológicos. Você acredita que, neste momento, nós estamos vivenciando uma espécie de nova corrida espacial, onde o foco dessa vez são os dispositivos de inteligência artificial?

Daniel Monteiro: Eu concordo, mas eu acredito também que o impacto é direto nos mercados. No
contexto da corrida espacial, a gente ainda não sabia muito bem o que fazer com o espaço. Quando eu falo de inteligência artificial, eu falo de uma tecnologia que vai impactar diretamente todo o ecossistema global, humanos e empresas. Eu enxergo que a inteligência artificial vai se tornar um grande commodity. Hoje, o mercado norte-americano tem um grande concorrente de outro país. E isso é surpreendente.

Nosso Meio: Com a corrida espacial, a gente teve uma grande evolução tecnológica da humanidade, com a invenção de satélites e o sinal de GPS, por exemplo. Ainda é cedo para prever, mas essa corrida pela dominação da inteligência artificial pode ter o mesmo efeito? Se sim, quais setores do mercado você acredita que ela vá afetar em um prazo mais curto?

Daniel Monteiro: O efeito vai ser exponencialmente maior do que o efeito da corrida espacial. Se eu fosse falar na dimensão, talvez seja a maior invenção de impacto da humanidade depois da internet. A inteligência artificial generativa vai impactar simplesmente todas as pessoas, assim como a internet nos impactou. O ganho vai ser na capacidade humana de produzir conhecimento, trabalho e dinheiro. O mundo já vem falando de robôs atuando como consumidores de produtos. Isso é uma disrupção no modelo de consumo. Em um futuro breve, nós vamos ter humanos consumindo produtos e robôs consumindo produtos produtos digitais. E isso abre novos mercados, novas empresas, novos trabalhos e novos conhecimentos que a gente ainda nem sabe.

Nosso Meio: A Ministra das Ciência, Tecnologia e Inovação Luciana Santos enxergou no DeepSeek uma inspiração para o desenvolvimento de uma inteligência artificial brasileira e, dessa forma, garantir a nossa
competitividade a nível mundial. Você acredita que o Brasil possa vir a se tornar uma potência tecnológica de desenvolvimento de inteligência artificial nos próximos anos?

Daniel Monteiro: Eu não acredito que isso venha a acontecer. O Brasil está atrasado no desenvolvimento de um grande modelo linguístico como o ChatGPT e DeepSeek. Essas empresas já têm altos investimentos dos seus governos, e o nosso país está pensando agora em fazer investimentos. O que nós podemos fazer, enquanto isso, é nos aproveitar do código aberto do DeepSeek e realizar melhorias desses códigos. Acredito que o Brasil vai se especializar em treinar profissionais em modelos de linguagem, principalmente os de código aberto, para que esses profissionais possam encaixar esses modelos nas realidades das empresas brasileiras, gerando um grande valor de impacto em nosso país.