Hélio Oiticica no final da década de 60 criou o Parangolé fruto de suas andanças pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. A origem do termo já aponta para aquilo que Oiticica mostrou, uma espécie de linguagem malandra. Uma linguagem para ser entendida apenas entre a comunidade. Isso lembra um pouco a maneira de falar dos portenhos, a língua secreta, o lunfardo. Uma gíria usada entre os malandros da Prata.
A malandragem dita carioca também habita esse universo nas letras e canções de Chico Buarque e na composição de Cássia Eller. Homenagem ao malandro. À malemolência da voz, do gingado tanto do samba quanto do tango.
Assim são os parangolés. Algo que aponte para fora do intelectualismo banalizado, para uma exibição de necessidade da exposição. Mais ainda, o espectador se torna parte interativa do parangolé, entra nele, circula entre ele. Uma descoberta do corpo em que entramos com o samba, com a música, com o movimento.
E, de repente, um lançamento em dólares, muitos dólares, de marca de luxo, o desejo posto em cena. Tênis Balenciaga. Uma bagatela entre os mais simples de US$ 1,8 mil. O susto, no entanto, não é o valor, comum entre os balenciagas da grife. A surpresa vem na visualização dos modelos rotos, desenhados por Demna Gvsalia- um designer que já se destacou por desfiles protesto, em estado de decomposição fazendo par às já antigas calças jeans rasgadas, mas em pleno uso. Essa linha de tênis foi contemplada como Paris Sneaker Destroyed, uma espécie de Tênis Paris Destruído, à semelhança de pares do All Star das estrelas da moda. Claro, em preços eles estão muito distantes, ainda que um Golden Goose Tênis Superstar saia por 3 mil reais e um Converse por 700.
E por que a polêmica com a Balenciaga? Se esses tênis destruídos saíram em raríssimas quantidades e evidentemente nem serão comercializados? A discussão é exatamente o porquê desses modelos. Trata-se de uma interessante estratégia de marketing para vender modelos semelhantes a esses excessivamente destruídos, digamos que os que estarão a venda serão lindamente destruídos. Estilizados, mas lembrarão no imaginário dos consumidores o choque causado.
Dessacralizar um produto de desejo de alta moda pode ser um dos pontos dessa coleção. Trazê-la para o olhar da destruição pela qual o mundo em geral, a moda em particular, passa. O estilista dessa criação vem da Geórgia, país que já fez parte da União Soviética, esse olhar crítico faz todo sentido. Desse icônico tênis tiramos simbologias diversas, as mesmas de quando ousamos praticar as gírias, o lunfardo, entrar em parangolés e, é sempre bom lembrar, deparamo-nos com um doente em fase terminal de HIV+ em enorme cartaz da Benetton. A ousadia é a denúncia social. Assim como esses tênis, estamos destruídos, em ruínas. São prédios desmoronados. Vidas ceifadas. Falta ar por aqui…e por aí, por lá também. E, quanto à malandragem, sigamos adentrando parangolés e sambando com Chico para espantar a dureza dos tempos:
“(…)Agora já não é normal
O que dá de malandro regular, profissional
Malandro com aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital
Que nunca se dá mal (…)”
Sobre Roseli Gimenes
Coordenadora do curso de Letras da UNIP
Coordenadora do projeto Cultura em Foco do Instituto Legus
Professora no curso Semiótica Psicanalítica PucSP
Pós doc em Comunicação e Semiótica PucSP
Doutora em Tecnologias da Inteligência e Design Digital PucSP
Mestre em Comunicação e Semiótica PucSP