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Entrevista com Carlos de Camargo Braga, professor FDC e vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG)

Por Redação

02/06/2022 15h00

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Ao Nosso Meio, o professor e vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) concedeu entrevista exclusiva para aprofundar sua visão sobre o pilar de governança corporativa. 

 

É certo que CEOs e dirigentes empresariais da atualidade enfrentam um cenário cujos desafios e nível de exigência atingiram patamares inéditos. A pressão por entrega de resultados financeiros – que sempre existiu para quem está no comando – vem acompanhada pelo acirramento da competição e, com ênfase especial, por uma cobrança dos diferentes grupos de stakeholders para a geração de valor social. Afinal, se ao longo do século passado o capitalismo produziu resultados relevantes para a sociedade, parece indiscutível que uma lacuna foi criada em relação ao progresso e ao papel das lideranças e das organizações. É o que aponta o mais recente e-book da Fundação Dom Cabral, intitulado “Inovação: o motor do ESG”, publicação que reúne as análises e as práticas de grandes especialistas nacionais no tema.

 

Na publicação, os estudiosos compartilham as suas experiências e reflexões diretamente relacionadas à capacidade de inovação das empresas, e discutem quais os critérios ambientais, sociais e de governança servem de guia para a jornada rumo ao futuro econômica e ambientalmente sustentável. O ebook reúne depoimentos, entrevistas, estudos de caso e outros elementos que nos permitem ter uma visão ampla e global sobre o tema. O trabalho é coordenado pelo professor Carlos Arruda e conta com a participação das pesquisadoras Erika Penido Barcellos, Stephania Rocha Guimarães, e dos professores Carlos Camargo Penteado Braga, Dalton Sardenberg, especialista em governança e Heiko Hosomi Spitzeck, diretor do Núcleo de Sustentabilidade da FDC. O acesso é gratuito, e o ebook está disponível no site da Fundação Dom Cabral.

 

 

Ao Nosso Meio, o professor Carlos de Camargo Braga concedeu entrevista exclusiva para aprofundar sua visão sobre o pilar de governança corporativa. Carlos de Camargo Penteado Braga é vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e professor da Fundação Dom Cabral (FDC). A entrevista foi alinhada através da Barros Soluções em Gestão, associada da FDC nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte.

Carlos de Camargo Braga, professor FDC e vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG)

“O Brasil tem grande potencial para ser uma força global do ESG”, avalia Carlos de Camargo Braga, especialista da Fundação Dom Cabral

 

 

 

 

 

Nosso Meio: Como a agenda dos conselhos de administração das grandes empresas são impactadas com as práticas ESG?

Carlos de Camargo Braga: Na prática, hoje o Conselho de Administração é o guardião do “G” da sigla ESG. Pode-se dizer que a Governança é o pilar mais sólido e central do ESG. O aspecto ambiental e social são extremamente relevantes, mas é a governança corporativa que dá segurança para a empresa enveredar por esse novo posicionamento. Portanto, o conselho administrativo, na sua função fiduciária de diligência, necessita entender, se capacitar e lidar com os temas emergentes ao mundo dos negócios que atravessam as preocupações da sociedade.

 

N.M: Segundo a pesquisa Global Consumer Insights Pulse, realizada pela PWC, preocupações ESG influenciam metade de todos os consumidores no mundo. Curiosamente, porém, fatores sociais e de governança parecem ser mais influenciadores do que os fatores ambientais quando se trata de decisões de compra. Porque a governança corporativa dos negócios tornou-se critério tão relevante para a sociedade?

Carlos de Camargo Braga: Estamos passando por uma mudança geracional. A geração Z (nascidos a partir dos anos 2000) e os chamados millenials, da geração Y (nascidos de 1981 a 1999) serão, juntos, equivalentes a 75% da força de trabalho em 2030. É uma população que tem perfil de compra bem diferente do que o mercado está acostumado. Mais de 80% desse novo consumidor confia em companhias que têm responsabilidade social corporativa. Cerca de 67% recomenda um produto ou serviço dessas companhias e 89% trocam de marca se encontrarem um produto associado a uma boa causa. Continuamente, 87% compram produtos baseados nos valores que a empresa prega e, por fim, 76% boicotam empresas que não têm valores compartilhados com os daquele grupo. Tudo isso são dados da recente pesquisa aplicada nos Estados Unidos, da Cone Communications. Acredito que seja uma mudança estrutural crescente e irreversível. Mas isso é positivo para as grandes empresas que pensam de forma ampla. Segundo o Fórum Econômico Mundial, até o fim dessa década, nós teremos cerca de 395 milhões de empregos associados às iniciativas ESG, que movimentarão, até o fim dessa década, 10 trilhões de dólares para uma nova economia que considera aspectos sociais e ambientais.

 

N.M: A letra G da sigla ESG trata sobre os critérios de governança corporativa, que estão relacionados aos mecanismos de governança das empresas, aos direitos dos acionistas e às responsabilidades da diretoria executiva. Nesse aspecto, são analisados os procedimentos de decisão das empresas e sua estrutura organizacional, os mecanismos de controle, cibersegurança, cadeia de suprimentos responsável, sistemas de compliance, remuneração, entre outros. Qual o maior desafio dessa área para as empresas incorporarem ESG em suas práticas de mercado?

Carlos de Camargo Braga: Acredito que seja uma mudança cultural. As empresas precisam fazer uma reflexão estratégica sobre seu papel na sociedade. Cada vez mais essa função social se amplia, não pode se restringir apenas a gerar lucros para acionistas, mas sim ter a oportunidade de gerar valor e ser percebido pela sociedade. É uma mudança cultural e de mentalidade. Até pouco tempo as organizações achavam que cumprir suas obrigações legais era suficiente. Isso tem mudado. O interessante é que na mudança enxergamos boas oportunidades de atender novos clientes, realizar novos pontos de contato, se integrar mais à comunidade, participar de novos modelos de negócio, por exemplo. O ESG implica em uma mudança que dá ênfase à perenidade do negócio a longo prazo versus a performance de resultados a curto prazo.

 

N.M: Diante de um cenário econômico instável, com escassos incentivos ao desenvolvimento dos negócios e garantias mínimas no mundo do trabalho, é possível questionar se o debate sobre boas práticas ESG realmente é uma prioridade. Como levantar a pauta ESG na realidade brasileira?

Carlos de Camargo Braga: O Brasil tem grande potencial para ser uma força global do ESG. Pela abundância de recursos naturais e forte trabalho para adesão de fontes de energia renovável, a potência ambiental do nosso país pode se tornar um protagonista nas discussões climáticas no mundo. Por isso, as empresas que se atentarem para incorporar boas práticas podem ganhar diferencial competitivo ímpar. É uma oportunidade de pensar o negócio em longo prazo. A região Nordeste, inclusive, pela vocação e pioneirismo na energia eólica, ganha destaque no cenário nacional. É necessário perseverar e entender que a mudança de mentalidade é um caminho sem volta. Quem não adequar suas ações corporativas para essa nova realidade acabará ficando para trás. Uma divulgação acurada do desempenho da sustentabilidade econômica é essencial para que os investidores e outras partes interessadas avaliem adequadamente a lucratividade de longo prazo, a qualidade dos ganhos e os fluxos de caixa da empresa-alvo. Mas, na atualidade, a credibilidade junto a investidores é conquistada para além do desempenho econômico, a partir da quantificação do valor intangível adicionado por uma atuação ambientalmente correta, socialmente responsável e com a adoção de políticas robustas de governança. Se o ESG colocou luz sobre os aspectos ambientais e sociais, não se deve deixar de reconhecer o papel fundamental exercido pela governança no cenário corporativo. As empresas que adotarem práticas superiores de governança e as divulgarem de maneira adequada estarão aptas a impulsionar sua reputação, alcançar maior valor de sua marca, mas, igualmente, estarem prontas a acessar linhas especiais de financiamento, reduzindo, por fim, seu custo de capital.