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Dia do Profissional de RH: entrevista com especialista em Endomarketing e Gestão de Pessoas e professora do MBA USP/Esalq, Celysa Hirt Rosa

Publicado em

03/06/2022 08h00

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Com mais de 18 anos de experiência como Head de Marketing em diversas consultorias e cinco anos à frente da Gerência de Marketing e Produtos da Unimed Grande Florianópolis, Celysa Hirt Rosa optou por empreender a partir de 2020. Assim, é fundadora da Cardum, consultoria que visa o direcionamento da cultura para que empresas possam atingir resultados exponenciais. Além disso, é também gerente de operações na Gummy Digital. Atua ainda como palestrante e professora no MBA USP/Esalq.

 

No Dia do Profissional de RH, a especialista conversou com o Nosso Meio sobre a relação entre as áreas de Marketing e Gestão de Pessoas nas organizações, as contribuições do RH 4.0 nos negócios, as novas atribuições do setor de Gestão de Pessoas e fez análise sobre os desafios do RH do futuro.

 

Confira na íntegra:

NOSSO MEIO: Endomarketing é a palavra da vez quando se trata da união entre marketing e recursos humanos. Como especialista em Marketing e professora da disciplina de Endomarketing e Gestão de Pessoas do MBA USP/Esalq, como se define esse conceito e se aplica na realidade das empresas?

CELYSA HIRT: Muita gente denomina o endomarketing como vender o produto ou serviço para o público interno, ou ainda, como ações motivacionais. E não é isso. É utilizar das estratégias de marketing para promover a colaboração, facilitar a comunicação, compartilhar objetivos, engajar e motivar as pessoas, reter talentos, e assim, atingir os resultados da organização. O fim sempre será o crescimento da empresa, mas por meio das pessoas. E engana-se quem acha que para fazer endormarketing é necessário grandes investimentos. É claro que com um bom orçamento há também um melhor aproveitamento de recursos, mas isso não é condicionante para se estabelecer ações.

Qualquer empresa, de qualquer porte, tendo o propósito claro, pode estruturar ações de marketing interno. Imagine uma padaria de bairro, que acabou de contratar um padeiro para o time. O empresário que enxerga o protagonismo da sua equipe, vai destinar as primeiras horas do primeiro dia do novo colaborador, para explicar o porquê a empresa existe, seus diferenciais, e do papel do padeiro na entrega do valor percebido pelo cliente. Ele estará engajando pelo propósito, num onboarding que está acessível e não custou nada além de tempo. O mais importante para se aplicar o endomarketing é entender o papel de cada colaborador na entrega da experiência do cliente, e estabelecer ações que promovam a conscientização, engajamento e motivação do time. Se a empresa tem metas e objetivos, a equipe precisa ser comunicada e estimulada, precisa acompanhar a evolução dos números com transparência. Se as áreas são interdependentes, faz-se necessário investir na integração e na promoção do trabalho em equipe. Assim, cada empresa, diante da sua realidade e objetivos, vai norteando as estratégias de endomarketing. 

 

NM: A adequação do RH frente às inovações tecnológicas é o que chamamos de RH 4.0. Você enxerga esse modelo sendo aplicado no Brasil? Qual sua análise para o caso brasileiro? 

CH: Ainda distante das pequenas empresas. Mas sim, temos excelentes cases no Brasil de gestão de RH data driven. É necessário que a alta gestão seja madura, e isso não está relacionado com idade ou tempo de carreira, mas da visão de negócio. O RH 4.0 requer executivos com percepção aguçada do protagonismo das pessoas. Digo isso, porque também requer investimento em tecnologia e apoio aos projetos estratégicos. Não basta um gerente de RH entusiasta, a alta direção precisa compreender e valorizar as práticas que estimulam e desenvolvem os colaboradores. Também é importante considerar que nenhuma empresa abandona a gestão tradicional e adota uma gestão moderna de forma abrupta e integral. São pequenos passos que vão construindo um RH pautado em dados e direcionado para os resultados.

A partir do momento que há a consciência de que são as pessoas que conquistam e fidelizam clientes, e por consequência, constroem o crescimento do negócio, a organização passa a considerar a jornada do colaborador como parte fundamental da estratégia organizacional. E como uma cascata, sente-se a necessidade de mensurar dados, seja sobre o clima, percepções dos colaboradores, eficiência de processos seletivos, efetividade de treinamentos, níveis motivacionais, etc. E aí iniciam os investimentos em tecnologia, dos quais transformam o RH – que deixa de ser um setor executor, para atuar de forma analítica e estratégica, contribuindo diretamente para os resultados gerais da companhia.  O ideal seria que essa conscientização ocorresse ainda na concepção do negócio. Mas isso ainda não é uma prática recorrente. O que vemos comumente no Brasil, são empreendedores focados no produto ou serviço, buscando crescimento, com o RH voltado para recrutamento.

Quando a empresa atinge um patamar de 80 ou 100 colaboradores, por ausência de investimento em cultura, ocorre a alta no turnover. E a rotatividade de colaboradores faz a empresa desacelerar, já que há o tempo de aculturação e entendimento sobre o negócio. Geralmente neste momento o empresário percebe que é hora de investir nas pessoas e na cultura. Vai funcionar? Se bem planejado, sim. Mas vai custar mais caro e vai demorar mais tempo do que se a empresa já nascesse com esta premissa. 

 

NM: Atração, Recrutamento e Seleção compõem a principal atividade da área de RH. Ao longo do tempo, quais outras atribuições foram incorporadas você destacaria como essenciais para o sucesso de uma empresa?

CH: Historicamente o RH tinha atuação ainda mais simplista, mas não menos importante, que permeava apenas as burocracias de cumprimento da legislação. A atração de talentos é um reflexo dos avanços da gestão empresarial, da globalização do mercado e da era tecnológica – que gera mudanças rápidas na sociedade. No entanto, contratar os profissionais mais qualificados e com fit cultural já não garante os resultados. É necessário reter esses talentos. Por isso o RH passa a atuar estrategicamente no mapeamento e gestão da jornada do colaborador, da admissão à sucessão. E isso envolve muitos processos que vão muito além de salários e benefícios atrativos.

Além do recrutamento e seleção, posso citar o onboarding e aculturação, treinamento e desenvolvimento, plano de carreira, capacitação das lideranças e preparação de sucessores, aplicação de pesquisas de engajamento por pulsos, rituais que fortalecem a cultura, e até o acolhimento no momento de rescisão. Tudo se torna essencial e faz parte do RH que atua de forma estratégica, cuidando das pessoas e, provendo por meio delas, os resultados. 

 

NM: Hoje percebemos a gestão de pessoas e o marketing lado a lado nas decisões estratégias dos negócios, muitas vezes com representatividade de cadeira em Conselhos administrativos. Quais os benefícios dessa integração com os executivos?

CH: Vejo esse movimento como um reflexo da consciência da alta gestão para a importância dos colaboradores, das pessoas no centro do negócio. É consenso no mundo que o colaborador tende a espelhar para os clientes a sua própria experiência com a empresa. O marketing concentra esforços para melhorar a experiência dos consumidores, e o RH para employee experience. Se são interdependentes, fica evidente a necessidade de integração dessas áreas. Desde a construção do posicionamento integrado, desdobrando-o de dentro para fora da organização, até o auxílio do marketing no desenvolvimento de ações de endomarketing. Uma das principais problemáticas enfrentadas pelo RH é justamente a falta de suporte do marketing. E isso geralmente ocorre porque o marketing está sendo cobrado e pressionado por resultados inerentes a geração de vendas, e as demandas de gestão de pessoas não possuem espaço na pauta.

Quando o corpo diretivo compreende a importância das pessoas, há também um investimento para que os times tenham espaço para trabalharem conjuntamente. Assim, surgem as equipes de comunicação interna, employer branding, experiência do colaborador, etc. Somente com a sinergia entre essas áreas é possível implementar projetos efetivos, que geram resultados. A equipe de gestão de pessoas por mais engajada e dedicada, tem limitações na construção de planos de comunicação efetivos, com apelos visuais, tradução do propósito e valores. As estratégias de marketing quando aplicadas para as estratégias internas, são como molas propulsoras para o atingimento das metas organizacionais. 

 

NM: Preparar lideranças e preencher gaps de competências é um dos maiores desafios dos RH. Quais são os outros gargalos da área, na sua avaliação?

CH: Os gargalos são compatíveis com o estágio de maturidade que a gestão de pessoas da organização se encontra. Mas de maneira geral, considerando empresas que já possuem uma boa estrutura, vejo que o desenvolvimento das lideranças ainda é um grande gargalo. Já superamos a barreira de considerar uma necessidade, mas ainda não atingimos um ponto de coesão. E isso se reflete no RH. Um líder que não compreende a importância do fit cultural ou das competências comportamentais, tende a pressionar para que as vagas do seu setor sejam preenchidas em tempo recorde, para acompanhar as metas traçadas. No entanto, mesmo que pareça duro, é mais efetivo demorar para selecionar e contratar, e ser mais ágil para desligar. O que na prática, geralmente ocorre o contrário. As lideranças despreparadas, postergam a decisão da ruptura por muito tempo, impactando na produtividade do time, no clima do setor, e gerando muitas vezes conflitos e falta de senso de equipe. Mesmo com muita informação acerca do tema, ainda vemos profissionais de carreiras ou excelentes técnicos e especialistas sendo reconhecidos ou retidos por meio de cargos de gestão.

 

A liderança tem papel fundamental para que práticas, políticas ou projetos de qualquer área, não somente de RH, sejam colocados em prática com eficácia. É o líder quem assume o papel de promotor do propósito e valores, e do cuidado e desenvolvimento das pessoas. É preciso investir mais assertivamente na capacitação das lideranças para que outras iniciativas reverberem, e a organização chegue mais próxima dos resultados almejados.

 

NM: Por fim, quais os desafios do RH do futuro, na sua opinião?

CH: No Brasil, a disseminação do RH 4.0 ainda é um desafio, com conscientização de empreendedores para que compreendam que as iniciativas estratégicas vão além do produto ou serviço, que se concentram nas pessoas. Para as empresas que já atuam com uma gestão de pessoas data driven, os desafios estão acerca da predição, ou seja, atuar não somente com a resolução de problemas atuais, mas na prevenção com base em linhas de tendência. Outra pauta muito atual é o ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance) no que tange a cultura inclusiva, que é desafiadora por envolver a quebra de paradigma, coragem e vontade da empresa em ser transformadora e fazer a diferença. 

 

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