Empresário, palestrante e primeiro nordestino a escalar o Everest, Rosier Alexandre leva para o mundo dos negócios os aprendizados conquistados nas maiores montanhas do planeta. Com método, planejamento e propósito, ele mostra que liderança é saber gerir riscos, inspirar equipes e transformar desafios em estratégia dentro e fora das empresas.
NOSSO MEIO | Você costuma dizer que nada na sua vida foi sorte, e sim método. Que papel o planejamento teve na sua trajetória, tanto nas montanhas quanto nos negócios?
Rosier Alexandre: De fato, na minha vida nada aconteceu por sorte. Todas as minhas conquistas, das maiores montanhas do mundo aos desafios empresariais, nasceram de um plano claro, estruturado e executado com disciplina.
Quando iniciei o Projeto Sete Cumes, eu não tinha recurso sequer para começar a primeira montanha. Foi nesse momento que compreendi o poder do planejamento: antes de qualquer investimento, antes mesmo do esforço físico, é preciso estratégia. Analisei o cenário, desenhei cada etapa, defini metas, criei valor ao projeto e construí uma narrativa capaz de conectar propósito e resultado. Só depois desse trabalho meticuloso é que os parceiros e os recursos apareceram como consequência natural de um plano bem feito.
Nos negócios, sigo exatamente o mesmo princípio. Muitos acreditam que dinheiro ou trabalho duro são suficientes, mas sem direção, ambos se perdem. Planejar é o que transforma energia em resultado, sonho em meta e meta em conquista. Nas montanhas e no mundo corporativo, o planejamento é o verdadeiro oxigênio da jornada.
NOSSO MEIO | Vindo do sertão cearense, você saiu de uma realidade simples para conquistar o topo do Everest. Que mentalidade foi necessária para transformar as adversidades em combustível para alcançar seus objetivos?
Rosier Alexandre: Mais do que força física ou capacidade de trabalho, que são essenciais, mas óbvias, o que realmente me fez chegar ao topo foi a mentalidade de acreditar. Desde muito jovem, aprendi que as circunstâncias não determinam o destino de ninguém. Sou filho de agricultores, nascido na zona rural em uma família numerosa e muito simples, no sertão do Ceará, onde as oportunidades eram escassas e o futuro era limitado. Mas também aprendi, muito cedo, que a mente pode ser o maior ativo de um ser humano.
Enquanto muitos viam a pobreza como um obstáculo, eu a enxergava como ponto de partida. Escolhi alimentar crenças positivas, acreditar que era possível sonhar grande e que o trabalho, aliado à boa gestão pessoal, poderia mudar qualquer realidade. Nunca me permiti cair no papel de vítima. Ao contrário: cada dificuldade virou energia para seguir em frente.
Ainda menino, enquanto ajudava meus pais e trabalhava para contribuir em casa — vendendo frutas, engraxando sapatos, comprando e revendendo ovos e picolés — eu aprendia algo valioso: a importância de lidar com pessoas, entender o valor do dinheiro e desenvolver o espírito empreendedor.
Essa mentalidade, de aprender com as adversidades e transformar limites em impulso para avançar, foi isso que me levou da aridez do sertão ao topo do Everest. E é a mesma mentalidade que hoje aplico em tudo: nos negócios, nas palestras e em cada novo desafio da vida.
NOSSO MEIO | Durante suas expedições, você enfrentou avalanches, frio extremo e riscos de vida. Que aprendizados dessas situações-limite você aplica hoje no mundo corporativo?
Rosier Alexandre: As montanhas são lugares de uma beleza indescritível, mas também de um rigor extremo. Lá em cima, a natureza não perdoa erros. O frio intenso, as avalanches, as gretas, as tempestades e as mudanças bruscas de clima exigem muito mais do que força física — exigem preparo emocional, gestão de risco e tomada de decisão sob pressão. Cada passo é calculado, e cada decisão pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso.
Antes de cada expedição, eu estudava tudo: o comportamento da montanha, as causas de acidentes, os horários de maior risco de avalanche. Eu me preparava para o pior cenário, porque sabia que improvisar no caos poderia custar a vida. Havia um método, uma gestão de risco constante.
No mundo corporativo, não é diferente. O empreendedor brasileiro precisa escalar um “Everest” por mês enfrentando uma carga tributária elevada, legislações confusas, concorrência desleal, oscilações econômicas e pressões que testam diariamente a nossa resiliência. O ambiente é hostil, mas é nele que nascem as melhores estratégias.
Assim como nas montanhas, o segredo é não se deixar paralisar pelo medo. Quando temos um propósito claro e nobre, o ambiente desafiador se transforma em combustível para buscar soluções criativas e sustentáveis. Eu não tinha as condições ideais para escalar o Everest morando no calor do Ceará, mas isso não foi um limitador, foi um motivador para encontrar caminhos alternativos.
As dificuldades não foram desculpas, e sim oportunidades de evolução. Seja nas montanhas ou nos negócios, quem aprende a gerir riscos e agir com propósito transforma o impossível em conquista.
NOSSO MEIO | Sua atuação como palestrante vai além da inspiração, envolve estratégia e gestão. Como você conecta a escalada ao conceito de liderança?
Rosier Alexandre: A escalada de uma montanha é, antes de tudo, um exercício de liderança. Ela exige preparo técnico, gestão de riscos, tomada de decisão sob pressão e, principalmente, a capacidade de conduzir pessoas em direção a um objetivo comum. Nas montanhas, o ambiente é imprevisível: o clima muda de repente, os recursos são limitados e qualquer erro pode custar caro. Liderar, nesse contexto, é manter a equipe segura, motivada e focada no propósito, mesmo diante de um cenário de muitas incertezas.
Essa realidade é muito semelhante ao que vivemos no mundo corporativo. O empreendedor, assim como o alpinista, precisa lidar com instabilidades de mercado, pressões financeiras e desafios humanos. Ambos dependem de um planejamento sólido, estratégia clara e liderança coerente para seguir avançando.
Inspirar é apenas o começo. O verdadeiro líder é aquele que une inspiração à execução, que sabe traçar um plano, montar o time certo, capacitar as pessoas e acompanhar o desempenho de perto. Ninguém chega ao topo sozinho. Tanto na montanha quanto nos negócios, o sucesso é coletivo e nasce de uma liderança firme, empática e consciente do seu papel.
Quando o líder entende que seu papel é guiar com propósito e servir ao time, ele cria um ambiente de confiança e alta performance. Assim como nas montanhas, é essa confiança que permite superar os desafios e conquistar os cumes mais altos.
NOSSO MEIO | Você fala sobre “gestão de riscos”. Quais são os maiores riscos que líderes e organizações precisam aprender a administrar para continuar crescendo?
Rosier Alexandre: Na escalada de uma grande montanha, o líder precisa lidar com riscos reais e imediatos: o clima muda sem aviso, o terreno é instável, o oxigênio é escasso e qualquer erro pode comprometer não apenas o resultado, mas a vida das pessoas. Por isso, o alpinista líder aprende que a prevenção é mais poderosa que a reação. É preciso antecipar os riscos, criar planos alternativos e manter o time preparado para o inesperado.
Nas empresas, o cenário é muito parecido. O ambiente corporativo também é repleto de ameaças — algumas visíveis, outras silenciosas. Os maiores riscos que vejo nas organizações hoje não são apenas financeiros, mas humanos e estratégicos. Falta de capacitação, ausência de propósito, baixa motivação, lentidão nos processos, custos descontrolados e a perda do espírito de equipe são fatores que minam a vitalidade de um negócio aos poucos, assim como uma tempestade que se forma no horizonte e pode surpreender quem não está atento.
Por isso, o papel do líder é fundamental. Um líder maduro e preparado precisa monitorar continuamente esses sinais, agir preventivamente e ajustar o rumo sempre que necessário. Ele deve investir em treinamento, fortalecer o senso de propósito, estimular o comprometimento e garantir que cada pessoa entenda seu papel na jornada.
Assim como nas montanhas, nas empresas também é a gestão de riscos inteligente que garante a segurança da equipe e a sustentabilidade do negócio. Crescer com equilíbrio é saber avançar sem se colocar em perigo — e isso exige planejamento, atenção constante e uma liderança que inspire confiança mesmo nos momentos mais desafiadores.
NOSSO MEIO | O filme O Engraxate que Escalou o Everest, que levou o Prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular, no Rio Mountain Festival, leva sua história ao cinema. O que esse reconhecimento representa para você?
Rosier Alexandre: Esse reconhecimento tem um significado muito profundo para mim. Ver a minha história transformada em um filme premiado, escolhido pelo voto popular entre centenas de produções inscritas, é algo que vai muito além da alegria. É a confirmação de que uma história simples, de uma pessoa nascida no sertão do Ceará, pode inspirar pessoas no mundo inteiro.
Quando comecei a engraxar sapatos ainda menino, jamais imaginei que um dia aquela realidade dura se transformaria em um filme exibido em festivais internacionais. O Engraxate que Escalou o Everest é mais do que a minha trajetória, é uma mensagem de esperança. É a prova de que nenhum sonho é pequeno demais para quem tem coragem, método e fé em si mesmo.
Durante as filmagens, estivemos em três continentes e quatro países, enfrentamos desafios intensos, desde resgates nas montanhas até hospitalizações de membros da equipe, mas seguimos firmes, com o mesmo espírito de superação que me levou ao topo do Everest. O resultado foi um trabalho feito com alma, que tocou o público e emocionou corações.
Receber esse prêmio é motivo de orgulho, sim, mas também de responsabilidade. Porque agora o “menino engraxate” não representa apenas a sua própria escalada, mas a de todos aqueles que sonham em mudar de vida. Se a minha história pode inspirar alguém a acreditar mais em si mesmo, a planejar melhor e a seguir em frente mesmo diante das dificuldades, então todo o esforço já valeu a pena.
Mais do que um troféu, esse reconhecimento é um lembrete de que nenhum obstáculo é maior do que a força de quem acredita nos próprios sonhos. O menino engraxate do sertão prova que, com propósito e perseverança, é possível chegar ao topo do mundo.
NOSSO MEIO | Você foi o 1º nordestino, 5º brasileiro a escalar as maiores montanhas de cada continente e o 15º a chegar ao topo do Everest. O que sentiu ao conquistar esse feito e olhar o mundo lá de cima?
Rosier Alexandre: Senti uma emoção indescritível. Estar no topo do mundo, com o Everest sob os meus pés, foi como viver um momento em que o tempo para. É o gosto da conquista, mas também o peso da jornada — cada passo, cada sacrifício, cada sonho que me levou até lá.
Lá em cima, percebi que o ser humano é capaz de muito mais do que imagina quando tem um propósito verdadeiro e acredita no seu potencial. Eu, um menino do sertão cearense, que um dia engraxava sapatos para ajudar a família, agora via o mundo inteiro sob os meus olhos. Aquilo me mostrou que limites existem apenas para quem aceita eles como verdade.
A sensação foi de gratidão e de responsabilidade. Gratidão por ter chegado até ali com saúde e fé, e responsabilidade por mostrar a outras pessoas que não há distância intransponível para quem tem coragem de sonhar e agir. O topo do Everest é simbólico porque, no fundo, cada um de nós tem o seu próprio “Everest” para escalar.
NOSSO MEIO | Nos seus livros, Sentinela de Pedra e Sete Cumes, há uma mensagem de persistência e propósito. Que conselho você deixaria para quem está tentando alcançar o próprio Everest, seja pessoal ou profissional?
Rosier Alexandre: O meu conselho é simples, mas profundo: nunca desista dos seus sonhos. Por maiores que pareçam, por mais distantes que estejam, eles são o que dão sentido à jornada. Cada sonho abandonado é um pedaço de nós que fica pelo caminho.
Na minha vida, nem sempre as conquistas vieram no tempo que eu esperava. Muitas vezes, o vento era contra, e a montanha parecia intransponível. Mas aprendi que quem tem propósito não recua — ajusta a rota. Quando algo não saía como planejado, eu voltava, revisava a estratégia, refazia o plano e subia novamente. A persistência é a corda que nos mantém ligados ao que acreditamos.
Você pode negociar prazos, pode ajustar métodos, mas nunca negocie a essência dos seus sonhos. Porque é ela que sustenta sua coragem nos momentos mais difíceis.
O “Everest” de cada pessoa é diferente — para uns é um projeto, para outros é uma mudança de vida, um recomeço, uma superação. O importante é entender que o topo só existe para quem tem coragem de continuar subindo, mesmo quando o cansaço aperta.
No fim das contas, a maior conquista não é chegar ao cume — é descobrir, durante a escalada, do que você realmente é capaz.
