Liderança feminina e reputação: os caminhos para a equidade no mundo dos negócios
Liderança feminina, equidade de gênero e impacto social são temas que movem Sônia Hess e Ana Fontes, duas das maiores referências no Brasil quando o assunto é a ascensão das mulheres no mundo dos negócios e do empreendedorismo. Sônia, ex-presidente da Dudalina e vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil, e Ana, fundadora da Rede Mulher Empreendedora e presidente do W20, têm trajetórias marcadas por desafios e conquistas que as levaram a atuar diretamente na transformação do cenário corporativo. No Executivas em Foco desta edição, elas compartilham suas visões sobre os desafios que ainda impedem a equidade de gênero nas empresas, a importância da reputação para impulsionar carreiras femininas, e os próximos passos das instituições que representam para ampliar o acesso de mulheres a cargos de decisão.
NOSSO MEIO | Você construiu uma carreira de grande impacto antes de chegar à instituição que hoje lidera. Quais foram os momentos mais marcantes da sua trajetória profissional e como essas experiências moldaram sua atuação na promoção da equidade de gênero no ambiente corporativo?
Ana Fontes: Por conta da minha jornada, de ter vindo de uma de uma família de baixíssima renda, de ter tido vários desafios pessoalmente, chegar numa multinacional e conseguir um cargo executivo, sem dúvida foi um grande diferencial na minha jornada. Durante quatro anos eu fui a única mulher executiva na vice-presidência onde eu trabalhava e, apesar de eu ficar super desconfortável com isso, esse processo me moldou também para pensar e aprender em relação à questão das mulheres, isso há mais de 20 anos.
Outro momento que foi bem desafiador, mas que foi importante, inclusive, para eu pensar em sair do ambiente privado e buscar um caminho do empreendedorismo, foi quando eu tentei uma promoção e o diretor na época falou que eu tinha o melhor currículo, a melhor performance, mas era uma pena que eu era uma mulher. Então, aquilo foi um super impacto para pensar o quanto as mulheres tinham que provar muito mais, mesmo elas sendo melhores, mesmo elas tendo o melhor desempenho, a melhor carreira, elas tinham que sempre ficar quebrando paradigmas, quebrando barreiras para conseguir conquistar os seus espaços.
Teria inúmeros outros, mas estes plantaram a semente dentro da minha cabeça de que eu precisava realmente ajudar as mulheres, pensar nas mulheres, ainda sem muito conhecimento técnico, mas entendendo que aquilo fazia grande diferença.
Sônia Hess: Sou filha do seu Duda e da Dona Adelina, que criaram a empresa Dudalina. Mas uma das coisas muito interessantes é que a empreendedora era a minha mãe, então a história já começa com o fato de que desde sempre na minha vida eu tive a inspiração de uma mulher empreendedora. Primeiro a minha mãe, que teve 16 filhos e construiu essa empresa, uma empresa feminina. São 11 homens e cinco mulheres, dois irmãos foram presidentes antes de mim e eu assumi a presidência em 2003. Mesmo sendo uma indústria de confecção, onde é natural ter a diversidade presente, havia um cuidado especial com as mulheres, com programas específicos para elas.
Outra mulher que pautou minha carreira com seu exemplo foi Luiza Helena Trajano, uma mulher inspiradora, tanto como cidadã quanto como empresária. Foi junto com a Luiza que criamos o grupo Mulheres do Brasil, que nasceu para transformar a vida das mulheres.
Junto com o Grupo Mulheres do Brasil, fundei o Dona de Mim, que até hoje já beneficiou mais de 4.000 mulheres com microcrédito. Crédito é acreditar, e nós precisamos acreditar que essas mulheres podem transformar as suas vidas quando têm a oportunidade de se equipar.
NOSSO MEIO | Nos últimos anos, o debate sobre diversidade e inclusão cresceu significativamente, mas as mulheres ainda enfrentam barreiras estruturais para alcançar posições de liderança. Em sua visão, quais são os principais desafios que ainda impedem a equidade no topo das empresas e como superá-los?
Ana Fontes: Temos desafios conceituais, que são o que a gente chama tecnicamente de vieses inconscientes, ou seja, a construção social de que a mulher deve ocupar determinados espaços e outros espaços não. Então, é muito importante a gente entender que precisamos quebrar esses vieses e esses estereótipos, o que não é uma questão fácil, já que envolve uma mudança de cultura, de comunicação e tudo mais. O segundo ponto é que nós, mulheres, estamos nos espaços de negócios há menos tempo do que os homens. Então temos que o tempo inteiro estar buscando esses espaços para ocupar, inclusive no imaginário das pessoas na representatividade, passar a normalizar mulheres CEOs, mulheres conselheiras, mulheres nos ambientes e espaços de poder. Um terceiro ponto, especialmente nos ambientes privados, é que precisamos que sejam estabelecidas metas claras na empresa para se ter equidade, não é só criar grupo de afinidade, não é só falar que as mulheres são legais, não é só falar que a empresa é legal.
Todas as empresas que fizeram essa mudança, fizeram porque estabeleceram metas claras. É ter uma coisa que a gente chama de intencionalidade.
E um outro ponto importante é ter de fato um processo de sucessão na empresa. E, na preparação de sucessores, sempre considerar ter uma mulher. E quando eu falo de uma mulher, eu falo em mulheres em toda sua pluralidade, com todos os marcadores sociais.
Sônia Hess: Há muitos estudos sobre isso, e um deles diz que a mulher só se candidata quando ela se sente segura, quando ela sente que tem no mínimo 80% de capacidade para aquele cargo. O homem com 40% já se candidata. É a síndrome da impostora, muito mais comum nas mulheres. Nós sempre nos cobramos demais. A gente vê que muitas mulheres estão galgando posições mais C-level, mas nos cargos de CEO e nos conselhos, ainda estamos a passos muito lentos. Nós temos que abrir esse espaço, quebrar esses paradigmas e seguir em frente.
NOSSO MEIO | A reputação é um ativo essencial tanto para indivíduos quanto para instituições. Como você acredita que a construção de uma reputação sólida pode impactar positivamente a ascensão das mulheres no mundo dos negócios e no empreendedorismo?
Ana Fontes: Definitivamente é um ativo essencial, e para as mulheres ainda mais. O impacto é de 100%. A minha reputação me precede. Então, todas as vezes que eu estou em alguns espaços hoje, principalmente, mas já alguns anos isso acontece, as pessoas sabem que eu sou uma referência em empreendedorismo feminino, as pessoas sabem que eu sou uma referência em diversidade e inclusão, as pessoas sabem que eu falo sobre a autonomia da econômica financeira das mulheres e sabem porque eu sou consistente em falar sobre isso em todos os meus canais. Então isso é muito importante pra gente trabalhar a nossa reputação, falar, opinar, criar artigos sobre aquilo que a gente domina para ir construindo esse processo de reputação, tanto para o mundo dos negócios, quanto para o mundo do empreendedorismo.
E tem um componente que ajuda bastante nessa questão de reputação, que é compartilhar seu conhecimento com as outras pessoas através dos canais sociais e de outros mecanismos, para que elas também validem o seu trabalho, porque reputação é sobre isso, é o que as pessoas acham de você, é como as pessoas te enxergam.
Sônia Hess: Eu saí da Dudalina há 10 anos e a reputação construída me acompanha até hoje, dando esse espaço na mídia e no mundo dos negócios. E eu acho que a construção de uma reputação sólida faz parte do feminino também. Nós somos muito cuidadosas com o que a gente constrói, não colocamos em risco as nossas verdades, os nossos valores. É você ter uma vida que a tua reputação é o teu legado.
NOSSO MEIO | A instituição que você representa tem atuado fortemente para ampliar a participação feminina em posições de liderança e no mercado. Quais ações concretas estão sendo realizadas e quais os resultados já conquistados?
Ana Fontes: A Rede Mulher Empreendedora e o instituto RME têm trabalhado muito para colocar as mulheres em posição de liderança, tanto no empreendedorismo quanto no mercado de trabalho. Há 15 anos a gente faz programas para fortalecer essas mulheres. No empreendedorismo a gente trabalha com a educação, mentoria, conexão entre essas mulheres e com acesso a recursos financeiros. Porque no empreendedorismo ter acesso a dinheiro é uma das grandes dificuldades das mulheres, para que elas consigam fazer os seus negócios desenvolverem e crescerem.
No ambiente de trabalho, temos atuado como uma rede muito potente de indicações para essas mulheres. Quase todos os nossos colaboradores são mulheres, as posições de liderança aqui são ocupadas por mulheres e todos os nossos nossos stakeholders a gente sempre incentiva a ter um modelo muito semelhante ao que a gente tem aqui.
Além disso, temos cursos, palestras, capacitações para que essas mulheres possam ter uma melhor condição para ocupar vagas de trabalho, especialmente vagas em posição de liderança.
Sônia Hess: A própria iniciativa do crédito seria uma delas, mas além desta, temos o nosso comitê de empreendedorismo, onde em cada cidade, em cada núcleo é feito um trabalho específico para aquela região. Temos um grupo voltado para mulheres 60+ inseridas no mercado de trabalho, temos o grupo das refugiadas, que chegam ao nosso país sem muitas oportunidades, mas agimos para que elas surjam; temos grupos de igualdade racial, grupo com foco na mulher negra, de valorização do artesanato do Nordeste. Então, são muitas iniciativas com foco em transformar através do bom exemplo, da educação, da inclusão. Temos no nosso escopo do Mulheres do Brasil a ênfase em dar essas oportunidades, deixando as pessoas voarem.
NOSSO MEIO | Muitas mulheres que sonham em empreender ou assumir cargos de liderança esbarram em inseguranças, falta de apoio e desafios culturais. Que conselhos você daria para aquelas que querem ocupar mais espaços, mas ainda não sabem por onde começar?
Ana Fontes: Eu costumo dizer o seguinte: nós mulheres fomos criadas para sentar de perninha fechada, para falar num tom de voz mais baixo e para servir as outras pessoas e ser legal com as outras pessoas. Isso é muito forte no modelo social que a gente vive. Ou seja, a criação de mulheres para esses espaços. Eu falo que a gente não nasce sem autoestima, mas é a sociedade durante a nossa jornada, a nossa criação e o nosso desenvolvimento como seres humanos, que vão minando essa autoestima, principalmente com todos os julgamentos sociais (se casa cedo ou tarde, se tem filhos ou não, se é dona de casa ou executiva que trabalha muito), em qualquer condição nós somos julgadas.
Então, os conselhos que eu dou para essas mulheres: participem de grupos de apoio, é fundamental que a gente tenha outras mulheres no nosso entorno; procurem sempre uma mentora ou mentora de carreira no caso de trabalho ou mentora de empreendedorismo de negócios no caso do empreendedorismo; qualifique-se, é muito importante que você já esteja preparada quando você vai ocupar esses cargos e esses espaços. E uma outra coisa muito importante, trabalhe a sua saúde mental e a sua autoconfiança. E é isso, estejamos juntas. Eu não gosto da palavra sororidade, eu gosto da palavra irmandade feminina. Eu acho que isso é importante para, mais do que ocupar espaços, permanecer nesses espaços.
Sônia Hess: Faça parte de grupos como o grupo Mulheres do Brasil. É um grupo olhar, para aprender, para se inspirar. Eu sempre falo que não há nada melhor do que você estar em um grupo em que todos estão pensando em construir coisas melhores para todos. Cuidado com as escolhas, cuidado com o que as redes sociais oferecem, porque há muita fake news. Então, procurem quem pode realmente inspirar, quem pode ajudar, em uma rede de motivação, de inspiração, de cuidado. E, segundo, o nosso o nosso partido é o Brasil. A gente acredita no nosso país, no que a gente pode fazer para melhorar o nosso Brasil. Não existe milagre, sem trabalho não há sucesso. Agora é muito melhor você se inspirar em quem é do bem, em quem pode realmente fazer você crescer.
NOSSO MEIO | Olhando para o futuro, quais são as principais metas e projetos da instituição que você representa para fortalecer ainda mais a presença das mulheres em cargos de decisão nas empresas brasileiras?
Ana Fontes: Queremos que as mulheres construam negócios de alto potencial. Eu acho que esse é um grande trabalho. Já que o jogo é mais difícil para gente acessar os ambientes privados que já existem hoje, vamos nós mulheres criar negócios bacanas, que têm um alto potencial de crescimento, alto potencial de escala e vamos nós mesmas criar o nosso próprio jogo. Acho que as mulheres têm total capacidade de criar negócios.
E eu acho que um outro ponto é que precisamos de políticas públicas que fortifiquem a presença de mulheres nesses espaços.Um exemplo são as cotas, eu acredito em cotas. Cota não é para escolher as pessoas piores, cota é simplesmente uma forma de você escolher pessoas que não estariam no radar, mas que são tão capazes quanto aquelas pessoas que estão em livre concorrência.
Vamos trabalhar bastante para que a gente tenha mulheres em espaços de poder e decisão e é isso que a gente vem fazendo aqui há 15 anos na Rede Mulher Empreendedora e no Instituto ARME.
Sônia Hess: Contribuir para que mais mulheres ocupem espaços de forma igualitária. Hoje os conselhos estão procurando muito mais equilíbrio, e normalmente tem mais mulheres mais preparadas para assumir os cargos do que muitos homens. Agora, é uma escolha das mulheres também. Muitas mulheres não querem e eu respeito isso. Mas o equilíbrio é importante para as empresas, e eu acho que a maioria das empresas está atenta a isso, porque nós somos as maiores consumidoras, provavelmente a gente influencia pelo menos 80% do que se compra, do que se produz no mundo. Quando a sociedade civil do Brasil se une para o bem melhor de todos, é um sucesso e é isso que a gente está precisando. A gente precisa criar essa nova sociedade que não é nem de direita nem de esquerda, é uma sociedade pelo bem melhor que é o nosso Brasil.
Sobre:
Sônia Hess
Vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil, ex-presidente da Dudalina, fundadora do Fundo Dona de Mim, conselheira em diferentes instituições (Cataguases, BTA, Amigos do Bem, Verdescola, Educa +, IAS).
Ana Fontes
Empreendedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), e do Instituto RME. Vice-Presidente do Conselho do Pacto Global da ONU Brasil, e Membro do Conselhão da Presidência da República (CDESS). Presidente do W20, grupo de engajamento do G20.