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Gerações como elaboração e vivência de valores

Por Clotilde Perez

23/02/2022 08h29

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Compreender que as pessoas se comportam e pensam de determinadas maneiras a partir exclusivamente de seu ano de nascimento é um equívoco. Quais as diferenças em termos de valores e quereres entre os nascidos em 1994 e 1998 que justificam entendê-los como indivíduos que pertencem a gerações diferentes? Gerações configuram-se como formas distintas de elaborar e vivenciar visões de mundo. Elas engendram valores, configuram atitudes, pautam comportamentos e expressam estéticas.

Há um esforço em definir e agrupar indivíduos com determinadas características, denominá-los e caracterizá-los a partir de gerações específicas. Os Baby Boomers, são os nascidos após o término da II Guerra Mundial, certamente pessoas que viveram grandes transformações em pouco tempo, além dos impactos da reconstrução de países e reconfiguração de territórios e culturas. Grosso modo, foram criados com muita rigidez e disciplina, próprios das condições de restrição, com o desenvolvimento de valores relacionados ao trabalho, família, estabilidade financeira e a busca por melhores condições de vida.

Na sequência, temos a geração X que contempla os nascidos entre 1965-1980), e que abriu a denominação geracional a partir de letras. Ganhou esta denominação porque simplesmente não se sabia “o que esperar” desta então nova geração. Uma geração incógnita, desconhecida, incerta, que sucedia aos Baby Boomers. Vivenciaram a Guerra Fria e os movimentos de grande impacto no cenário mundial, como o Maio 68, a onda hippie e as diversas lutas por direitos políticos e sociais. Particularmente, no Brasil, coincide com o período da ditadura militar e o crescimento econômico, com a ampliação da competição no mercado. Valorizam estabilidade profissional, educação e diploma formal.

Os Millenials, ou geração Y, nascidos entre 1981 e 1996, presenciaram a chegada ao novo milênio ainda criança ou adolescente, por isso a denominação tão recorrente relacionada ao tempo. Acabaram por serem compreendidos como muito criativos, alinhados midiaticamente às causas sociais e ambientais, com uma vivência pouco intensa em relação ao trabalho e a formação de núcleo familiar, mas muito tecnológicos, o que favorecia o perfil multitarefas, a ansiedade e a competitividade. Durante alguns bons anos, eram considerados os “salvadores” do mundo, até que a realidade em relação aos laços frágeis com o trabalho e aspectos individualistas e hedonistas se sobressaíram, reajustando as expectativas, para o “bem” de todos.

Costuma-se chamar de geração Z as pessoas nascidas entre a segunda metade da década de 1990 e o início da segunda década do século XXI (1997-2010). Enquanto a adoção de ‘Z’ deu-se pela sequência alfabética, isto é, a próxima letra após o ‘Y’ (os Millennials), o nome também cria uma relação de sentido com o contexto. Como uma geração que cresce familiarizada à tecnologia, por isso são também conhecidos como nativos digitais – Z se conecta à ‘zapear’. O verbo surge relacionado à troca constante de canais de televisão e frequência de rádio, mas com o universo digital isso se amplia para uma diversidade de mídias, plataformas, apps…, em constantes movimento.

A mais nova é a chamada geração Alpha, que reúne os nascidos a partir de 2010. A denominação retorna ao início do alfabeto, mas do alfabeto grego que deu origem ao “A” do alfabeto latino e ao “A” do alfabeto cirílico. Enfim, tem seu vínculo etimológico aos inícios. Denominação atribuída ao sociológico australiano Mark McCrindle, a geração Alpha tem como características central a conexão permanente, o que implica total familiaridade com smartphones, tablets e notebooks e suas potencialidades criativas e cognitivas. Segundo o sociológico, as crianças Alpha têm facilidade para aprender, são mais ágeis em suas buscas, inclusive por conhecimento. Desenvolvem facilmente o protagonismo, o que pode levá-las a uma cultura maker diferenciada, algo importante no contexto contemporâneo de múltiplas possibilidades e aberturas à inventividade e inovação.

Apesar das diferentes denominações para as gerações, dos esforços para singularizá-las e de seu valor quando o que está em causa são traços generalizantes e não rótulos estanques, há inúmeras possibilidades de trânsitos intergeracionais que precisam ser considerados e estudados. Há indivíduos geração X com comportamentos de geração Z, ou ainda geração Y seguindo valores típicos dos Boomers, por exemplo. Esse trânsito não é apenas relativo ao indivíduo em sua singularidade, mas existe transversalmente em todas os âmbitos da vida, como comportamentos de consumo, relações com família e grupos de afinidade, processos de aprendizagem, interações sociais e afetivas. Com isso, aprendemos que conhecer as gerações e suas características recorrentes é importante para o entendimento da construção e vivência dos valores sociais, mas ainda mais relevante é compreender seus trânsitos e complexidades de modo a não adotarmos entendimentos reducionistas e rotulantes que podem levar a ações limitadoras e visões distorcidas.

 

Clotilde Perez

Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.

 

 

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Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.