Entrevistas

Henrique Guerra dá detalhes sobre Transforma Pride, feira de empreendedorismo LGBTQIA+ no Nordeste

Por Lucas Abreu

23/08/2024 11h33

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Em entrevista exclusiva, produtor cultural e ativista social pela comunidade LGBTQIA+ também aborda a importância de governo e da iniciativa privada apoiarem os negócios desta parcela da população brasileira

Na última quinta-feira (22), Henrique Guerra visitou a redação do Nosso Meio, onde dialogou com nosso time de jornalistas sobre a Transforma Pride, feira de empreendedorismo LGBTQIA+. O evento segue com inscrições abertas para empreendedores LGBTQIA+ de todos os estados do Nordeste até o dia 30 de agosto. A expectativa é que 100 empreendedores participem da edição de 2024, que será realizada entre os dias 28 e 29 de setembro no Museu do Cais, em Recife (PE).

A Transforma Pride é uma iniciativa de Henrique Guerra para fomentar o empreendedorismo LGBTQIA+ no Nordeste, através de parcerias com instituições públicas e privadas, em prol da transformação social desta parcela da população brasileira. Formado na Niels Brock Business, o produtor cultural e ativista pela causa, também é discente de Psicologia da Universidade Católica do Pernambuco e possui ampla experiência em comunicação, graças ao período de intercâmbio fora do Brasil, onde passou pela Europa, África e América Central.

Além de dialogar com o Nosso Meio sobre a Transforma Pride, Henrique também abordou a importância de se apoiar os pequenos empreendedores LGBTQIA+, com ações que sejam realizadas continuamente durante todo o ano, e não em meses específicos como junho, quando é comemorado o Orgulho LGBTQIA+. Confira a entrevista completa, abaixo:

Nosso Meio: Quando surgiu a ideia da Transforma Pride como uma feira de empreendedorismo em prol da transformação da realidade de pessoas LGBTQIA+?

Henrique Guerra: Quando eu retornei ao Brasil, depois de anos, eu me deparei com a realidade e os desafios que uma pessoa LGBT passa por aqui nas matérias de jornais. O Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans no mundo, por exemplo. E eu também precisava ter uma missão, não só voltada pro empreendedorismo, mas também algo que tivesse cunho social. Naquela época, a gente estava saindo de uma pandemia que afetou o Brasil e o mundo, mas qualquer impacto que tenha essa magnitude acaba afetando ainda mais quem faz parte de uma minoria. 

Foi então que eu percebi que havia muitos amigos e colegas que empreendiam, trabalhando nos segmentos de moda, beleza e artigos em geral. Nós começamos a nos juntar para montar uma feira de empreendedorismo LGBTQIA+, coisa que não havia no nosso estado. A gente estava em 2022 e não havia eventos especializados para a nossa população, tendo em vista o crescimento na economia que nós proporcionamos tanto na parte do turismo, como no empreendedorismo, que se casam e dialogam.

Nós iniciamos a feira, reunindo um grande número de empreendedores. Foram mais de 150 inscritos nesse primeiro ano pós-pandemia.

Nosso Meio: Nós vivemos em uma realidade, onde temos muitos membros da comunidade LGTQIA+ em situação de vulnerabilidade. Estes indivíduos, em sua maioria, são expulsos dos seus lares e, sem alternativas, acabam se sujeitando a caminhos como a prostituição para garantirem suas sobrevivências. Como vocês acham que o governo e a iniciativa privada podem entrar para garantir que essas pessoas tenham o empreendedorismo como método alternativo, já que elas também não conseguem dispor de meios de crédito para iniciarem seus próprios negócios?

Henrique Guerra: Essa é uma pergunta que tem vários eixos, né? Mas o que eu posso dizer é que hoje, no mercado, as empresas precisam ter um propósito se elas quiserem sobreviver. Se você não tiver um propósito, a sua marca também não vai ser reconhecida. A Transforma, por exemplo, é um projeto que tem incentivos fiscais com a Lei Rouanet. Então, ele tem esse aporte para que as empresas consigam beneficiar e apoiar esses empreendedores.

O governo, por outro lado, tem esse papel de apoiar esta comunidade por meio das instituições públicas, até pelos desafios que a gente tem, diariamente, por sermos quem somos. Eu trago como exemplo a Stefany Mendes, que é uma multiartista empreendedora que vai participar da Transforma. Por ela ser uma mulher trans, ela foi muito discriminada em sua família e precisou iniciar muito cedo na prostituição. Mas à medida que ela conseguiu participar de eventos como a Transforma, ela conseguiu se inserir no mercado.

Então, essas ações precisam receber esses incentivos das empresas privadas e do governo. Existem estudos que apontam que o turismo LGBTIA+ cresce 13% a mais, ao ano, em países emergentes como o Brasil, comparados com os convencionais. Este público, por ter famílias reduzidas, também têm renda per capita maior, consegue viajar mais e adquirir mais produtos comercializados pelos empreendedores LGBTQIA+.

Mas é importante também que o governo, junto com a iniciativa privada, realize ações com mais impacto e não só localizadas no mês de junho. O trabalho precisa ser contínuo, porque a gente precisa desses apoios externos em outros períodos do ano.

Nosso Meio: Uma tendência atual do mercado são os consumidores conscientes, principalmente entre a parcela que faz parte da geração Z. Hoje, vemos pessoas preferindo adquirir produtos de uma empresa por ela se alinhar aos seus valores do que os de outra empresa, que não está tão alinhada assim. Os empreendimentos LGBTQIA+ tem o diferencial de atrair a sua comunidade através da identificação, entretanto, muitos pequenos negócios ainda têm dificuldades de ganhar projeção no mercado por não terem acesso a ferramentas de marketing que os impulsione. Como o Transforma ajuda estes pequenos negócios além da exposição na feira?

Henrique Guerra: A Transforma Pride não atua sozinha. Ela é um verdadeiro hub onde vários parceiros nacionais e internacionais são unificados. Nós focamos em fazer algo que traga visibilidade para esses empreendedores a um nível que atinja a mídia nacional. Além disso, com a nossa parceria com o SEBRAE, nós conseguimos trazer uma capacitação direcionada especialmente para eles e, hoje, essas pessoas estão participando de feiras em diversos estados. E isso cria um networking interessante para que esses pequenos negócios possam continuar crescendo firmes.

Nosso Meio: Quando você percebeu que havia a necessidade de agregar empreendedores de outros estados do Nordeste na Transforma Pride?

Henrique Guerra: Durante o desenvolvimento da feira, no segundo ano, a gente conseguiu perceber que havia a necessidade da feira agregar também os estados vizinhos, como Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia e Ceará. E agora no terceiro ano, nós viemos com essa proporção para empreender e convidar todos esses empreendedores a expor seus trabalhos.

Aqui no Ceará, existe também uma feira de empreendedores LGBTQIA+, e eu sempre acreditei nessa questão do intercâmbio, que faz você buscar novas ideias. A Transforma não foi uma coisa que surgiu do nada, ele nasceu dessa minha experiência de ter visto uma feira na Suíça, um evento na África e na América Central, a organização de uma escola de samba no Rio de Janeiro… Foi por meio desses intercâmbios e dessas conexões que a gente aprendeu e expandiu esse meio de divulgação de marcas, porque não adianta você registrar uma marca e ter uma comunicação.

Nosso Meio: Como a Transforma Pride influencia a percepção do público e de investidores em relação ao empreendedorismo LGBTQIA+?

Henrique Guerra: A feira não agrega só o público LGBTQIA+. Eu acho que ela é uma das poucas feiras onde você consegue ver famílias convencionais com seus filhos, com seus pets. E eu acho que esse público consegue ver a diversidade da feira, a variedade de produtos que tem lá, os artistas que estão presentes, o que é um atrativo tanto pro público local, quanto pros turistas que visitam a cidade.

Muita gente acha que pela feira ocorrer em Pernambuco, somente esse estado está se beneficiando. Pelo contrário, nós temos expositores de todos os cantos do Nordeste, que levam seus produtos, levam sua arte e também sua cultura, fazem conexões com os outros expositores e, consequentemente, movimentam a economia da região como um todo. Claro, nós temos estados que ganham mais, como Pernambuco, por ser o anfitrião da feira, mas o restante do Nordeste também se beneficia com esse evento, ainda que numa escala menor.

Nosso Meio: Em relação aos números, quanto a Feira já movimentou desde a sua primeira edição?

Henrique Guerra: Ano passado, o evento movimentou mais de R$ 150.000, pelos empreendedores serem artesãos de pequeno porte e por a gente ter retido uma quantidade de público menor que em 2022. Mas a feira, em si, ao longo desses anos, movimentou mais de meio milhão de reais na economia local.

Nosso Meio: Existe alguma pretensão de expandir fisicamente a feira para os outros estados do Nordeste, futuramente?

Henrique Guerra: Desde janeiro, estamos dialogando com a Secretaria da Diversidade do Ceará sobre a possibilidade de trazer a feira para cá, junto com os empreendedores de outros estados para exporem seus trabalhos aqui. O Ceará tem uma expertise enorme na área do turismo, a divulgação do estado é muito bem trabalhada.

Além do Ceará, estamos dialogando também com a Bahia e com o Maranhão, que estão bastante receptivos com a feira e querem fazer ela rodar por várias cidades, para que mais empreendedores possam participar.

Nosso Meio: Você pode compartilhar algumas histórias de sucesso de empreendedores LGBTQIA+ que tiveram suas vidas transformadas com o apoio da Transforma Pride? 

Henrique Guerra: Existem várias, são pessoas em diferentes situações que muitas vezes tiveram que começar do zero. Tinha uma que não tinha dinheiro nenhum pra poder produzir o que ela produz hoje. Ela pediu dinheiro emprestado a amigos e à família para comprar materiais que possibilitaram ela fazer tortas artesanais. E ano passado, quando ela veio participar da feira pela segunda vez, ela estava feliz por ter conseguido o MEI dela.

Tem também um menino, que a gente diz que ele é um embaixador da Transforma, o Douglas. Ele também não tinha MEI, começou do zero e, hoje, ele tem a própria marca de roupas, onde ele produz estampas autorais.

Nosso Meio: Como você enxerga a Transforma Pride em um futuro próximo de cinco a dez anos?

Henrique Guerra: Se em três anos, a gente conseguiu agregar todo o Nordeste, eu acredito que num período de cinco a dez anos, a gente consegue fazer a feira chegar ao nível internacional, com a possibilidade de levar esses empreendedores a expandirem seus produtos no exterior, com capacitação pra que eles não fiquem em um mercado restrito, mas se possam se expandir cada vez mais.

Nós temos parceiros de outros países, que estão presentes nos consulados, e a gente já vem dialogando para que possa haver a possibilidade de futuros intercâmbios, onde a gente vai levar empreendedores que já estão sendo capacitados hoje pra ter esse contato com outras culturas internacionais.

Henrique Guerra (à direita) após entrevista com o jornalista do Nosso Meio, Lucas Abreu (à esquerda), na sede da redação.

Ao final da entrevista, Henrique Guerra fez um convite para os empreendedores cearenses, incentivando suas participações na edição de 2024 da Transforma Pride:

Henrique Guerra: Eu chamo o Ceará de minha segunda casa, até porque eu sou casado com um cearense. Eu tenho um carinho muito grande por esse estado e espero que os empreendedores daqui participem da Transforma Pride. A feira é uma vitrine para todo mundo, nós já tivemos casos de gente que participou e zerou o estoque, e também é um espaço seguro com muita música, gastronomia e riquezas para a nossa comunidade. Neste ano, esperamos um público de 15.000 pessoas nos dois dias que acontecem um evento, então muitas conexões serão feitas.