Os desafios e conquistas de um jovem autistas buscando espaço no mercado da computação
As pessoas com deficiência sempre foram compreendidas como aquelas que não se enquadram nos estereótipos escolhidos como normais pela sociedade. Hoje, com influência do pensamento da sociedade internacional no que diz respeito à proteção dos direitos humanos e sociais, é possível conceber cada vez mais uma sociedade igualitária e inclusiva para o deficiente.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), no mundo, uma em cada 160 crianças têm o transtorno do espectro autista. A estimativa é de que existam 70 milhões de pessoas com autismo no mundo, sendo que 2 milhões delas estão no Brasil. E 85% dos adultos com autismo estão desempregados em todo o mundo.
Isso porque o que ainda se verifica é a predominância da situação de desemprego entre as pessoas com autismo motivos como: discriminação, inexistência de informações sobre o TEA, falta de qualificação profissional desses indivíduos, ausência de adequação do ambiente de trabalho para as limitações desses trabalhadores, dentre outros.
Assim, para que os autistas sejam firmados como sujeitos de direito, e tenham reconhecida sua garantia de acesso ao mercado de trabalho, é preciso que exista um maior fomento à criação de medidas que possibilitem a inclusão, visando à concessão de melhores condições de ingresso ao mercado laboral pelo autista.
O aluno de engenharia de computação João Victor Ipirajá entende essa dificuldade. Autista, o jovem é apaixonado pela computação desde pequeno, e foi estimulado a ser independente pela família desde cedo. Criativo, sempre teve afinidade com a área. Aos 10 anos criou seu primeiro aplicativo para ajudar a mãe em uma demanda de trabalho.
“Sempre fui muito criativo, pensava fora da curva, analisava padrões e sempre tive muito forte o pensamento por imagem. Minha mãe fazia trabalho voluntário e tinha muita dificuldade com o processo de fazer formulários. Eu criei um aplicativo bem simples para automatizar essa função e foi quando eu percebi que gostava disso. Quando terminei a escola fui para o IFCE, e lá fui muito incentivado a criar independência e desenvolver mais habilidades. Foi no IFCE que eu entendi que gostaria de fazer engenharia da computação. Passei na faculdade e está sendo maravilhoso essa jornada”, afirma.
Logo, a aptidão de João Victor foi reconhecida. Em 2021, o jovem ingressou no Apple Developer Academy IFCE, programa de educação, inovação e desenvolvimento, com a finalidade de capacitar alunos das mais diversas áreas para o desenvolvimento de produtos nas plataformas Apple. João afirma que o projeto é essencial para construir suas habilidades de liderança e comunicação.
“Contar minha história faz parte de uma rede de encorajamento para pessoas se entenderem autistas e multiplicarem essa atitude. Foi gratificante que nesse estágio, eu consegui utilizar toda a abundância de recursos em prol da minha comunidade que é marginalizada desses ambientes. Onde eu passo, eu levanto essas questões para desmistificar o assunto e evitar margem à ideias preconcebidas . Na medida do possível, meu trabalho direciona-se para essas paixões: Hoje eu estou trabalhando no MontVoz: um aplicativo totalmente brasileiro de comunicação alternativa e aumentativa para a comunidade autista não-oralizada”, comenta.
Ao longo da sua jornada acadêmica e profissional, João Victor afirma ter encontrado a já conhecida falta de acessibilidade. Ele afirma ter que encontrar atributos de personalização dos ambientes para ficar mais confortável.
“Tento criar estratégias para me adaptar, mas às vezes acabo colapsando, porque os ambientes geralmente não são confortáveis para mim. É muito complicado, algo que deveria ser mais simples, sem as burocracias, sem a invalidação da minha deficiência. Preciso criar estratégias para me conhecer, porque o mundo não vai mudar por mim, comenta.
Para ele, o conhecimento tecnológico e as habilidades práticas que desenvolveu ao longo da sua caminhada profissional, o tornam um profissional melhor. E suas vivências enquanto autista, também foram importantes nesse processo.
“Acho que o conhecimento tecnológico e as habilidades práticas são importantes, mas saber se comunicar e se regular, criar autocontrole, conhecer os seus direitos, é mais importante ainda. Não só uma questão de conhecimento prático, viver e se apresentar como autista, isso sim é uma ferramenta de resistência”, reflete.
Quando falamos de futuro, João pensa longe: Deseja morar fora, para mais uma vez, testar sua força e habilidade.
“Esse é um sonho que já carrego há bastante tempo. Sei que é difícil, mas ao mesmo tempo eu sei que estou me preparando para o momento de realizar esse sonho. Uma habilidade puxa a outra, e olhando para trás, nunca achei que aquele menino que fez um aplicativo com 10 anos chegaria onde eu cheguei. Exige muita coragem ,porque as pessoas não estão acostumadas a ver alguém que foge da normalidade, e eu acho que estou no caminho certo”, finaliza.