Marcello Belém, Mário Acioli e Wesley Sabino debatem sobre a campanha feita pela Prefeitura de Ulianópolis
No dia 28 de maio, a Prefeitura de Ulianópolis, no sudeste do Pará, divulgou em seu perfil oficial no Instagram um vídeo promocional dos festejos juninos deste ano. O conteúdo, gerado por Inteligência Artificial, rapidamente despertou debate nos comentários. Internautas questionaram o impacto do uso da IA na publicidade, especialmente em relação à geração de empregos e à exclusão de profissionais que tradicionalmente atuariam nas etapas de produção audiovisual e criação da campanha.
Segundo a pesquisa ‘O Futuro das Agências’, apenas 16% das agências estão em fase avançada de adoção de tecnologias de IA generativa. Quando se olha para os benefícios dessa implementação, 82% afirmam as melhorias na eficiência operacional, por outro lado, apenas 20% enxergam aumento na criatividade e inovação das campanhas. Esses números revelam a maturidade da indústria em relação ao uso da IA e como o mercado criativo pode ser impactado.
Cientes da importância de perpetuar o diálogo sobre o tema, a ACADi em Foco convida Mário Acioli, diretor da Relevante Estratégia; Marcello Belém, Diretor da Performa Branding e Performance e Wesley Sabino, diretor da agência Tera para analisar a campanha e refletir sobre como as agências digitais devem se preparar e se aliar às habilidades da IA.
“Toda novidade assim levanta discussões e inflama os ânimos. Há quem abomine e há quem defenda logo de cara. Muitas postagens sobre o assunto focaram no custo baixíssimo para produzir um VT inteiro, o que foi desmentido pelo produtor responsável. Além dos custos com a plataforma, o projeto envolveu incansáveis horas de testes, além de um tempo de edição convencional. Ele inclusive comentou que seria um projeto comercialmente inviável e que o fez como entusiasta da tecnologia”, afirma Mário.
Para Wesley Sabino, o caso de Ulianópolis é um exemplo claro de como as tecnologias disruptivas são paradoxais.
“As tecnologias disruptivas são paradoxais. O motorista do aplicativo “democratiza” o acesso ao trabalho e impacta negativamente os táxis. O futuro carro autônomo democratiza o acesso ao transporte e possivelmente desemprega boa parte dos atuais motoristas. Sobre a IA nessa campanha, ela apresenta possibilidades criativas novas de baixo custo, que podem substituir a produção tradicional. Antes você consultava um portfólio, agora você reflete se o ‘humano’ realmente será necessário neste orçamento”, reflete Wesley.
Com diversos pontos de vista para analisar a situação, o único ponto de partida é a necessidade da legislação se preparar para compreender os limites éticos para a utilização dessas ferramentas. Wesley Sabino complementa dizendo que a Universidade Federal do Ceará está protagonizando diversos debates sobre o tema sob o olhar filosófico.
“Especialmente no Campus Quixadá são realizados debates desses dilemas éticos sob o ponto de vista filosófico antes mesmo da regulamentação do uso dessas tecnologias, afinal, já estamos lidando com esse novo paradigma hoje”, comenta.
“É essencial que o arcabouço legal evolua para acompanhar as transformações do mercado. A regulamentação deve garantir a proteção da propriedade intelectual, a obrigatoriedade da transparência no uso de IA e a preservação de postos de trabalho criativos. Sindicatos e entidades de classe também precisam se atualizar, criando diretrizes claras sobre o uso ético da IA, incentivando a formação continuada dos profissionais e negociando salvaguardas nos contratos coletivos”, complementa Marcello.
Contexto
A chave para essa discussão é analisar o contexto geral em que a IA será utilizada e qual mensagem esse uso pode transparecer para o público. Ciente disso, Wesley citou um recente anúncio feito com IA e qual mensagem esse uso transmitiu.
“Recentemente fui impactado por uma campanha patrocinada de um prédio de luxo no bairro Meireles. Meu primeiro sentimento foi: ‘A construtora está economizando na campanha a ponto de utilizar modelos de IA falando sobre o empreendimento? Será que a empresa está com problemas de caixa? Como ela terá sustentabilidade financeira para desenvolver esse projeto se isso não for observado nem na campanha?’. O saldo final foi o sentimento de desrespeito ao cliente, não de inovação”, explica Wesley.
Suscetível a diversas interpretações pelos usuários nas redes sociais, investir nessas ferramentas, especialmente no viés criativo, requer um cuidado e uma reflexão sobre como isso será absorvido e se de fato a mensagem principal do conteúdo será passada.
“Especialmente em projetos com valor simbólico ou cultural, é fundamental manter a participação de profissionais humanos, garantindo sensibilidade, curadoria e contexto”, pontua Marcello.
“Mas eu acho que vai haver um período de euforia e depois as ferramentas serão usadas com mais racionalidade. As IAs certamente irão facilitar e acelerar processos, mas não vão substituir tudo. Faço uma comparação com o uso de drones nas filmagens, algo relativamente fácil e barato hoje. As cenas aéreas eram caras e difíceis. Certamente algumas empresas de helicópteros perderam clientes, mas a inserção desse tipo de cena se popularizou e hoje quase todo mundo pode usá-las”, finaliza Mário.