Interiectio!

Por Kochav Koren

13/10/2022 12h19

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Jamais li O Capital e não pretendo fazer isto antes de completar sessenta anos. Então, vou ler. “Há uma fila”- diz um pupilo. Serei lhano: não tenho a menor aptidão para questionar o consumo em qualquer via teórica. Adoraria que esta crônica incorporasse García Cancline, que mostrou saúde e lucidez, como o velho sociólogo Cardoso em sua última foto no Twitter.

 

Há menos de um mês, no evento anual da Associação Latino-Americana de Pesquisadores (ALAIC), o Catedrático do consumo mostrou ao mundo para que veio. Já há interrogações, demando exclamações. Esta crônica dá continuidade às duas últimas intervenções que fiz em Nosso Meio: O Estar no Jogo do Uso e A Experiência Oxítona. Preparo leiva às próximas reflexões sobre Figuras. Foca no símbolo de maior ganância dos Product Owner: o “Compre agora”, interiectio!

 

Na vida cotidiana do UX, comparo o botão “Compre agora” com o splash, que sempre vexou os diretores de artes. Redatores, também. Especialmente, os desenhistas, se incomodam bastante com um “Só hoje!”, ou “Não perca!”. Com exclamação, interjeição – que batiza o título romano desta croniqueta. Então, abominam. Como velho media, eu os compreendo. A exclamação realmente é um tormento. Significa uma modalidade de frase em curva melódica, sem embargo, confunde com interrogação. Eleva o tom e grita, ao exclamar alegria, surpresa e espanto. A publicística: “Última oportunidade!”. Digo, “Faça agora!”. Faz falta, mestre Gilmar de Carvalho, quando profetizara que o “Na Esmeralda, o gerente endoidou e o preço baixou!”

 

“Compre agora!” parece metáfora da “exclamação”. Em uma jornada de “experiência”, símile. Imagine, leitor, ao entrar em uma loja da esquina, como a que abriu aqui na minha rua no Brooklin, você recebe um “bom dia!” e, ao enamorar o produto que te abicha para o endividamento no crédito, recebe o grito da vendedora: “QUE LINDO!”. Há um rompimento da ritualidade. 

 

Sua ausência, tampouco, seria conveniente. Valorizo o “Que lindo!”, é um bom “Compre agora!”, mas, alocado no momento certo, parece ser mais assertivo, no sentido de mais natural ao ritual de entrada e saída e loja ou app. Vejo o ritual na óptica inversamente proporcional à vulnerabilidade, ruptura. Insiste-se em ver o consumidor com “dor”, o usuário sem faculdade. Esquece-se da Gestalt na cognição. 

 

O elogio à brasileira, gritante, é exclamativo. É passível de figurar síncrono tom à cena. Se, no início da “jornada”, presumirá desconfiança. Ao final, suporá desdém. Parece-me que, em aspectos medianos, a exclamação deve ser alocada no momento de apropriação do enamoramento. Sem dúvida, há sempre exceções, interiorizadas na intimidade dos atores, mesmo que um seja máquina. Primeiro, o humano. 

 

Tenho uma amiga argentina peronista, também brasileira, mais especificamente piauiense, que, quando me encontra, logo exclama. Faço o mesmo, a vejo e já grito. Elogios ou desabafos de horror. Possuímos uma relação exclamativa. Fomos ao shopping apenas uma vez; foi um horror, pois fui para um lugar e ela para outro. No WhatsApp, inicia-se com exclamações: novelas em áudios. Há um outro, sem mediana, em sua imortal urbanidade, exclama ao final: amplexo! A máquina, em contraposição, em minha mão, também exclama.

 

Quando entro no Inter, o splash berra. Em meu ritual, atrelado à dinâmica passada, sempre excluo. Nisso, o quantitativista encontra razão. Apuram pela “taxa de rejeição”. Sou o primeiro a ser identificado, excluo interiectio que não demandei, ou, não estabelecido em meu enamoramento.

 

O meio, centro, parece ser o chamado. Não entenda, UX, assim que sou causídico do “Compre agora!” no miolo da página ou app. O exercício foi para exemplificar o defendido outrora: “Figuras é o exercício do arranjo ex aequo ritualístico”. Completo, deve ser entendido como Gestaltapresentacional” e “situacional”. Foco no primeiro aqui.

 

Ao intento de se apurar a experiência de um utilizador-ator, deve-se conceber duas premissas. Se é verdade que existe “dor”, esta não há-de ser apurada quantitativamente. Segundo, suas faculdades são as mesmas da potência humana de cognição. Dialogo, mais uma vez, com o eviterno schutziano para alocar a exclamação de “Compre agora!”, na perspectiva de sua “apresentação” na “jornada” de uma mercadoria digital.

 

Deparando-se “Compre agora!”, ou qualquer elemento call to action (CTA), o ator está diante de um objeto, uma matéria. Isso se aplica também ao texto e imagens ao entorno deste. No tentame de o notar, reconhecer e compreender, ingressa cognitivamente no processo de percepção. Percebe-se o botão em parte, se o nota em outra: introduz-se a apercepção. Incumbe à cognição humano perceber o todo, completar a matéria deparada com figuras já experenciadas.

 

O todo propõe um reconhecimento de que o CTA acarreta uma apresentação próxima e distinta do que se exibe. “Por detrás” do acionador acarreta-se ver uma iminente estrutura tridimensional daquele objeto, ou as ligações que o complementariam, como os “links” correlacionados (incluindo os não acessíveis, como o que os media utilizam pelo Google Analytics, se aplicado). Há uma completude concreta ao entender o “todo” deste objeto; sem embargo, o que está em jogo é a percepção do ator. 

 

Ao aperceber a primeira figura em sua parte, uma suposta Gestalt ilusória, tende a dizer Goffman, caminho único é certo: completá-la. A cognição humana em Husserl e Schutz exige que a percepção seja compreendida em seu todo, o “ver atrás do botão”. Imagina-se, abstrai-se, tomando Figuras como antecessores de referência à parte apercebida. Este exercício de correlação para um entendimento de um todo é entendido como Gestalt, não traduzível. Perceber e esquematizar é um consenso do entendimento da dicção. O ator, diante da parte-chave, une figuras ao intento de compreensão do significado do que se expressa.

No esquema “apresentacional” exemplificado anteriormente – “Compre agora!”, mimeticamente, se associou a “exclamação”. Certamente, para um querido amigo alemão simpatizante do Grünen, partido verde, a Figura esquematizada será uma “interrogação”. “Compre agora?” Isso será discutido no Experience Studies que está com chamada aberta para casos e artigos. O debate ocorrerá na Midwest Sociological Society em março de 2023 em Minneapolis nos EE.UU. Increva-se já!!! Já? Não, a reflexão em formato de resumo pode ser enviada até 31 de outubro.

 

Fernando Nobre

Cientista da mídia e etnógrafo de produtos digitais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública

fernando@ernestmanheim.com.br | @noblecavalcante

Kochav Nobre
Auditor de pesquisa na Ernest & Young
Kochav Nobre é auditor em pesquisa na Ernst & Young (EY). Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.