Para começo de conversa…
Quando se fala em licitação, a primeira imagem que vem à cabeça costuma ser a de pregões eletrônicos, disputa de preços, papelada e burocracia sem fim. Para muitos profissionais da publicidade, o mundo das contratações públicas parece um território estranho — e, vamos admitir, até meio hostil.
Mas e se eu te dissesse que a contratação de agências de publicidade pelo poder público não segue as mesmas regras da maior parte das compras feitas pelos governos? Pois é. Ao contrário do que muita gente imagina, a publicidade pública tem uma lei só para ela: a Lei nº 12.232/2010.
Sim, existe um “código próprio” para a publicidade governamental. E isso muda tudo: o jeito de disputar, os critérios de avaliação, o tipo de proposta, os documentos exigidos — tudo tem uma lógica diferente, voltada para a natureza criativa, estratégica e técnica do serviço.
Neste e nos próximos artigos da coluna Publique-se, a proposta é justamente essa: abrir a caixa-preta da licitação de publicidade e mostrar que esse “bicho” nem é tão feio assim. Se você é do mercado e quer entender melhor como funciona esse universo — ou se atua na gestão pública e precisa contratar comunicação com responsabilidade e técnica —, vem comigo. O jogo pode ser mais interessante do que você imagina.
Uma lei específica só para a publicidade pública
A atividade publicitária é diferente — e o legislador reconheceu isso. Desde 2010, existe uma lei específica para regulamentar a contratação de agências de publicidade por órgãos e entidades da administração pública: a Lei nº 12.232/2010.
Essa lei surgiu para resolver um problema antigo. Até então, cada governo fazia do seu jeito: alguns tentavam adaptar as regras gerais das licitações; outros criavam normas próprias, nem sempre coerentes ou transparentes. O resultado? Insegurança jurídica, concorrência desleal e, muitas vezes, má qualidade nos serviços contratados. Foi justamente por existir essas brechas que surgiu o famigerado mensalão.
A Lei nº 12.232 mudou esse cenário ao criar um roteiro único para todo o país, válido para União, estados e municípios. Ela não substitui completamente as regras gerais das licitações — como as da antiga Lei nº 8.666/93 ou da nova Lei nº 14.133/2021 —, mas estabelece um regime especial para esse tipo de contratação. E, quando o assunto é publicidade, essa lei específica é que manda.
Mas por que tanta diferença? Porque contratar uma agência de publicidade não é o mesmo que comprar resmas de papel ou prestar serviço de limpeza. Publicidade exige estratégia, criação, planejamento, capacidade técnica e sensibilidade cultural. O que está sendo contratado, afinal, é muito mais do que um produto: é inteligência criativa aplicada ao interesse público. É, sobretudo, um serviço que impacta direta o dia a dia dos brasileiros.
Publicidade pública não é feijão com arroz
No mundo das compras públicas, muita coisa pode (e deve) ser padronizada: cadeiras, computadores, uniformes, combustível, material de escritório. Nesse cenário, o menor preço costuma ser o grande critério — e faz sentido que seja assim.
Mas publicidade não funciona desse jeito. Não dá para escolher uma agência só porque ela cobrou mais barato. Uma campanha mal planejada, com criação fraca ou estratégia de mídia mal executada, pode custar muito mais caro ao poder público — em imagem, em credibilidade e, no fim das contas, em resultados.
É por isso que a Lei nº 12.232/2010 criou um modelo próprio de licitação, pensado para respeitar as características do serviço publicitário. Em vez de avaliar só preço, ela determina que a qualidade técnica da proposta venha primeiro. E essa avaliação deve ser feita por quem entende do assunto: profissionais com experiência no mercado de comunicação, indicados para compor uma subcomissão técnica.
Além disso, a agência precisa comprovar sua capacidade técnico-operacional com base em trabalhos já realizados — não basta prometer que vai entregar algo bom, é preciso mostrar que já entregou.
Em resumo: o foco aqui é selecionar a agência mais preparada para resolver o problema de comunicação do órgão ou da entidade pública — e não apenas a que cobra menos.
Um processo licitatório com outra lógica
Como vimos, a licitação de publicidade tem suas próprias regras — e, por consequência, um formato diferente das demais licitações públicas. Aqui, a ordem das coisas muda. Em vez de sair comparando preços logo de cara, o processo começa pela parte técnica.
Funciona mais ou menos assim: as agências interessadas entregam uma proposta criativa para um caso simulado (a famosa campanha simulada elaborada a partir do briefing apresentado juntamente com o edital), além de documentação que comprove sua experiência no mercado e sua capacidade operacional. Essa proposta é avaliada por uma subcomissão técnica, formada por profissionais com notório conhecimento ou experiência na área, que atribuem notas com base em critérios definidos no edital.
Só depois de encerrada a análise técnica — e selecionadas as propostas mais bem avaliadas — é que entra a disputa de preços. Mas, mesmo aí, o peso da nota técnica continua valendo: a melhor proposta é aquela que consegue combinar qualidade criativa e preço competitivo.
Ou seja, não é uma corrida de quem entrega mais barato. É uma seleção baseada em mérito, em técnica e em estratégia. E isso muda completamente o jogo.
Descomplicar é preciso
Entender como funciona a licitação de publicidade é o primeiro passo para quebrar preconceitos e abrir caminhos. Para muitas agências, o setor público ainda parece um cliente distante, complicado, cheio de barreiras. Para muitos gestores públicos, por outro lado, o mercado publicitário parece confuso, subjetivo, difícil de contratar com segurança.
A verdade é que, com a regra certa e a informação certa, tudo fica mais claro.
A Lei nº 12.232/2010 não é um bicho de sete cabeças — mas é, sim, um mundo à parte. Um mundo com lógica própria, critérios próprios e muitas oportunidades, tanto para profissionais da publicidade quanto para a boa gestão pública.
Essa é a proposta da Publique-se: descomplicar, aproximar, explicar. Mostrar que, sim, é possível contratar comunicação com técnica, responsabilidade e criatividade — mesmo (ou principalmente) quando o cliente é o Estado.
Nos próximos textos, vamos mergulhar nos pontos-chave da licitação de publicidade: a proposta apócrifa, o pluricontrato, a formação da subcomissão técnica, os critérios de julgamento, os limites éticos, os desafios da execução contratual — tudo isso com linguagem direta e sem medo de tocar nos pontos sensíveis.
Fica o convite: acompanhe, questione, participe. O mercado público de publicidade está mais perto do que parece. Além disso, pode — e deve — ser bem mais transparente, profissional e eficiente.