Análise

Lideranças Femininas: conquistas, desafios, desejos e perspectivas das mulheres no mercado

Por Lucas Abreu

07/03/2025 16h26

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Nessa reportagem especial do Dia Internacional da Mulher, o Nosso Meio apresenta um olhar aprofundado sobre a realidade atual das mulheres no mercado de trabalho

Na Rua Dr. Gilberto Studart, colado com a Av. Almirante Henrique Sabóia, há um prédio comercial, onde funciona uma assessoria de investimentos no 15º andar chamada Start Investimentos. Nela, trabalha Louise Porto Freire, uma mulher com 17 anos de experiência no mercado financeiro.

No início da manhã, após deixar os filhos na escola, ela acompanha os balanços do mercado para entender o cenário econômico. Estuda todos os números minuciosamente para fazer as alocações financeiras, desde os vencimentos de valores dos clientes até os novos aportes.

Das 10h às 15h, Louise se concentra nas alocações e nos atendimentos daqueles estão balanceando suas carteiras de investimentos. Após esse horário, se dedica a reuniões com sua base de antigos e novos investidores. Por fim, no fim da tarde, quando o dia já está prestes a encerrar, participa de treinamentos internos e eventos para os clientes, onde foca nas atualizações do mercado e na educação financeira.

A rotina profissional de Louise é semelhante à de 33,86% das mulheres que ocupam algum tipo de cargo de liderança nas empresas de finanças, segundo dados do FESA Group. Apesar do número representar 1/3 do setor, a realidade ainda não é proporcional ao percentual da população feminina no Brasil divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: 51,5%. E na área onde Louise atua ativamente (investment banking), o descompasso da presença feminina é ainda maior, com apenas 17% delas em cargos de liderança.

“Nos bancos, as mulheres são predominantes na parte de atendimento ao cliente, mas as áreas técnicas ainda são masculinas. Essa realidade está mudando, mas também dependemos da disponibilidade de mais vagas. As empresas, mais focadas em pessoas, estão promovendo ações para contratar mais mulheres. No entanto, essa mudança precisa começar na base de tudo, com mais mulheres nos cursos de engenharia, economia e áreas correlatas, para que o mercado possa absorvê-las e elas possam ser mais requisitadas”, comenta Louise.

Quem também conhece a realidade de um ambiente predominantemente masculino é a engenheira Beatriz Tote. Responsável por diversas obras da construtora Moura Dubeux, ela gerencia equipes de construção e faz o controle de prazos, custos e qualidade dos empreendimentos. Sua rotina envolve acompanhamento da execução de serviços na obra, reuniões de planejamento e controle, medições de serviços terceirizados e quantificação dos materiais utilizados.

Se no setor financeiro, a presença feminina tem certa expressividade, o mesmo não pode ser dito da construção civil. Apesar dos avanços nos últimos anos, a realidade ainda é difícil para mulheres do setor, que ocupam apenas 10,85% dos cargos, de acordo com o último levantamento da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

“Eu acredito que a desmistificação de que a construção civil é um ramo masculino é super necessária para que a gente consiga fazer com que aumente a presença da mulher nesse mercado. Além disso, o incentivo e oportunidades dados pelas empresas, principalmente com relação aos cargos operacionais na construção civil, são muito importantes. Na Moura Dubeux, por exemplo, a gente tem o programa MD Social, com ações de cursos profissionalizantes focados em mulheres, em funções operacionais, além de várias ações de valorização da mulher em todos os setores da empresa”, comenta Beatriz.

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Os desafios no mercado

As questões de diversidade e equidade de gênero no mundo corporativo ainda são respondidas de forma lenta. Dados da B3 indicam que 55% das companhias com ações em bolsa no Brasil ainda não possuíam nenhuma mulher em cargo de diretoria estatutária há dois anos. Além disso, mais de um terço não tinham participação de mulheres nos conselhos administrativos.

Um levantamento feio pela plataforma Infojobs em 2024 também expôs outros dados alarmantes sobre a realidade das mulheres no mercado de trabalho do Brasil:

  • • 78% das participantes acreditam que mulheres precisam ser mais qualificações que os homens para assumir cargos de lideranças;
  • • 70% afirma que já perderam uma oportunidade de emprego apenas por serem mulheres;
  • • 77% acreditam que homens e mulheres não possuem as mesmas oportunidades;
  • • 69% afirmam que já passaram por uma situação em que sua credibilidade foi questionada apenas por serem mulheres.

“Um dia, em uma grande instituição onde trabalhei, fiz o dobro da meta diária de forma muito natural, pois o mercado estava favorável. Como tive os melhores números da equipe, meu líder da época me chamou no call aberto para falar sobre o que fiz de diferente. No entanto, ao me ‘elogiar’, ele disse: ‘Gente, escutem a Louise! Vocês, um bando de marmanjos, perderam para ela, que é mulher e sozinha no setor do Nordeste!’. O silêncio foi absoluto, ninguém conseguiu responder. Quando ele insistiu, eu apenas respondi que fiz o que era melhor para os clientes. Depois, um colega de outra unidade me ligou para saber se eu estava bem”, relata Louise.

A presença feminina em cargos de CEO é de apenas 5%, conforme uma pesquisa da consultoria Vila Nova Partners publicado no terceiro trimestre de 2024. Além disso, a última edição do Panorama Mulheres, elaborada pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pelo Talenses Group revelou que 27% dos brasileiros se sentem desconfortáveis quando a chefia é comandada por uma mulher.

Responsável pela 704apps, Rayane Feitoza conhece essa realidade de perto. Ela afirma que o machismo no setor de tecnologia não é explícito, mas se manifesta em situações onde sua capacidade é subestimada e em comentários que tentam minimizar seu papel de líder. No início, ela se sentia bastante em incomodada, mas com o tempo, aprendeu a transformar as adversidades em combustível.

“Hoje, eu faço questão de ocupar o meu espaço com firmeza para incentivar outras mulheres a fazerem o mesmo. O setor de tecnologia é desafiador, dinâmico e exige aprendizado constante. As mulheres que querem entrar nesse mercado precisam acreditar no seu potencial e estar preparadas para superar obstáculos. Mas, além disso, precisam de coragem para inovar, para questionar e para ocupar lugares onde, historicamente, não fomos incentivadas a estar”, pontua.

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O olhar feminino

Apesar dos desafios enfrentado, as lideranças femininas não se abalam diante do machismo estrutural. Seus trabalhos trazem benefícios que não se limitam a aspectos financeiros. Pelo menos, é isso que aponta o relatório “Mulheres nos negócios e na gerência: por que mudar é importante para os negócios”, divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OTI) em 2024.

O estudo apontou que empresas que adotam a diversidade de gênero experimentam crescimento de 10% a 15% em suas receitas e observam uma melhora nos índices de atração e retenção de talentos, como também em suas reputações perante a opinião pública.

Lideranças femininas também são mais eficazes, de acordo com o The Ready-Now Leanders da ONG Conference Board. O relatório aponta que as organizações que possuem 30% de mulheres em cargos de liderança aumentam em até 12 vezes as chances de estar entre as 20% que se destacaram em desempenho financeiro.

“A liderança feminina traz um olhar mais humano e colaborativo. As mulheres tendem a ser mais empáticas e cuidadosas com o impacto das soluções que desenvolvem. Além disso, somos ótimas em multitarefas e em criar ambientes mais inclusivos e inovadores. Uma empresa que tem diversidade na liderança consegue pensar em soluções que atendam melhor a um público mais amplo, porque reflete diferentes realidades e perspectivas”, comenta Rayane Feitoza.

“O cuidado faz parte do universo feminino. Então uma liderança feminina traz esse cuidado dentro das nossas atividades. Você nota em obras que são gerenciadas por mulheres um cuidado maior com o canteiro, um ambiente organizado que melhora a nossa qualidade de trabalho no dia a dia, a qualidade de trabalho dos funcionários”, complementa Beatriz Tote.

Quem também conhece na prática a importância de uma liderança feminina para uma empresa é Gaída Dias. Ela equilibra a vida de mãe, filha, esposa, amiga e influenciadora com os compromissos profissionais que tem no cargo de diretora do Grupo Cidade de Comunicação, onde atua há quase 30 anos.

Para dar conta da rotina agitada, Gaída preza pela organização e pela reinvenção, inspirando-se em mulheres reconhecidas por suas habilidades em seus devidos campos de atuação, como: Gisele Bündchen, Luiza Helena Trajano, Rachel Maia, Kamala Harris, Cármen Lúcia, Fernanda Pessoa, Geize Diniz, Rachel de Queiroz e Rosângela Dias, sua mãe. E, graças a sua resiliência, sua autenticidade, sua ousadia e sua escuta ativa, ela se tornou uma referência dentro do setor de comunicação do Ceará.

“Essa trajetória tem sido construída com muito trabalho, resiliência e um compromisso inabalável com a qualidade da informação e a valorização da diversidade no mercado. Acredito que essa cultura organizacional, que promove equidade e inclusão, faz toda a diferença para que as mulheres possam crescer profissionalmente sem barreiras. No entanto, sei que essa ainda não é a realidade de muitas profissionais em diferentes setores, e é por isso que defendo a importância de um mercado mais justo e igualitário”, ela afirma. “Meu compromisso, como líder, é continuar abrindo portas para outras mulheres, garantindo que tenham espaço para desenvolver seu talento e alcançar cargos de decisão sem que precisem enfrentar preconceitos ou limitações impostas pelo gênero”.

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Autocuidado e redes de apoio

Em paralelo com suas funções nas empresas, algumas mulheres desempenham outro papel: o de mãe. Entretanto, segundo o Infojobs, 83% delas acumulam uma dupla jornada de trabalho, ao conciliarem o emprego com tarefas domésticas e os cuidados com crianças e idosos. Essa realidade afeta significativamente as rotinas de autocuidado físico e emocional das trabalhadoras brasileiras.

De acordo com a pesquisa “Mulheres nas empresas: o que querem da carreira e da vida pessoal” feita pelo Todas Group e pela Nexus, 71% das líderes femininas abriram mão da saúde física ou de hobbies em prol do trabalho e 52% negligenciou a saúde mental pelo mesmo motivo. Quando questionadas sobre o que precisaram abrir mão de algo importante para crescer profissionalmente, os dados apontaram que:

  • • 50% das entrevistas abriu mão de tempo com a família
  • • 33% da vida social e do lazer;
  • • 24% da maternidade ou do desejo de ter filhos;
  • • 14% dos relacionamentos afetivos;
  • • 14% da estabilidade financeira;
  • • 3% da vida religiosa.

“Acredito que o autocuidado não é um luxo, mas uma necessidade. Seja com uma pausa para um café, uma fiscalizada nas vendas da Gaída Beauty e momentos pra viajar com a família, esses pequenos momentos fazem toda a diferença para recarregar as energias e manter o equilíbrio entre carreira, maternidade e vida pessoal”, afirma Gaída Dias.

Nesse contexto, as redes de apoio ganharam destaque. Em resumo, essas redes são formadas por um grupo de pessoas com as quais mulheres podem contar, incluindo amigos, familiares, colegas de trabalho, profissionais da área da saúde, dentre outros. O objetivo é um: encorajar mulheres, oferecer-lhes suporte físico e emocional.

“Tenho o apoio do meu esposo, da minha mãe, sogra, cunhada e irmãs sempre que necessário, e todos vibram junto comigo nas conquistas. A organização é fundamental, mas nem sempre as coisas saem como planejamos. Às vezes, recebo ligações da escola pedindo para buscar um filho que passou mal e, nesses momentos, largo tudo para cuidar dele. Felizmente, também conto com o apoio dos meus colegas de trabalho, que me dão suporte para conciliar as responsabilidades.  A rede de apoio não é apenas externa, mas também precisa estar dentro do trabalho”, pontua Louise Porto Freire.

“Acredito que as empresas também precisam fazer sua parte, oferecendo políticas que permitam mais flexibilidade e suporte para as mães que querem seguir crescendo profissionalmente sem abrir mão da sua família. Mulheres não deveriam ter que escolher entre carreira e maternidade – podemos e devemos ter os dois”, complementa Rayane Feitoza.