Por Rafael Orlandini, pesquisador da Casa Semio, mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP e especialista em Cultura Material & Consumo: perspectivas semiopsicanalíticas pela ECA-USP
Ao entrar na sp-arte 2025 – uma das maiores feiras de arte do Brasil – podia-se ler na parede “Forgive me my love is real” (“me desculpe meu amor é real”) em uma luz neon vermelha, com tipografia caligráfica, que sugestivamente parece ter sido escrita por mãos humanas. Logo abaixo, outra obra, com moldura bastante tradicional e um estilo que remete aos impressionistas do século XX. Ambas as obras apresentavam manualidade, mas com contraste que faz o neon brilhar aos olhos e a outra obra fechar-se em sua tradição.

Por diferentes décadas, do século passado aos dias atuais, os painéis em luz vibrante vêm figurando em diversas esferas da sociedade, do relaxamento dos espaços urbanos às institucionalidades das galerias de arte; daquilo que foi construído a partir do neon aos leds que buscam passar esse efeito de sentido. Sempre com brilho e vibração, com luminosidade que pouco ilumina e mais colore.
Esse tipo de luz como a conhecemos é resultado de uma descoberta de 1898, quando William Ramsey e Morris Travers, em Londres, aplicaram uma descarga elétrica no gás neon inserido no interior de tubos de vidro, o que fez com que ele brilhasse em vermelho vibrante. Anos depois, veio o primeiro uso comercial da técnica para um letreiro promocional da fábrica de automóveis Packard, em Los Angeles. Desde então, lojas, hotéis e postos de gasolina começaram a aplicar esses letreiros, com possibilidades de atingir outras cores a partir de diferentes gases e revestimentos dos tubos.
Logo a partir desse início, o neon é caracterizado pelo brilho e vibração de suas cores, ao mesmo tempo que é possibilitado a partir da manualidade necessária para se produzir o tubo de vidro que irá receber o gás. Isso significa uma mistura: a potência da luz técnica com a artesania e humanização do processo de produção.
Dessa incursão histórica, temos a primeira importante dimensão ligada ao neon: a nostalgia, valor tão importante no contemporâneo que resgata diferentes décadas do século passado (e até deste atual) para trazer algum tipo de conforto psíquico durante as incertezas de hoje. O século XX foi exuberante nas luzes neon. Se o primeiro boom aconteceu no início desses cem anos, foi na década de 1980, um passado muito mais recente, que as cores vibrantes deixaram de estar apenas nas luzes e se espalharam pelas roupas, mobiliários, decorações e tudo mais o que se possa imaginar.
Mas enquanto existe essa dimensão psíquica do conforto ao retornar a outra temporalidade, sua expressividade é ainda mais potente e nos ajuda a compreender os motivos pelos quais essa técnica foi tão popular em diferentes momentos no passar do tempo.
Um estimulante efeito de sentido provocado pelas luzes neon é o de encantamento. Brilho, cores abertas e chamativas, formas muitas vezes instigantes… A combinação dos elementos que compõem esses letreiros é responsável por exercer fascínio em que o vê; ela fisga a atenção e demora a deixar-se ir. Chamar o neon de “luz de fogo” está nesse universo, das chamas que arrebatam e seduzem, com suas cores, movimentos e calor.
Não é coincidência que, na era de ouro de Hollywood, as fachadas dos cinemas eram todas ornamentadas com luz neon. O encantamento das telas e das narrativas levado também para a arquitetura e decoração. Ou o deslumbre da Times Square, que vem em grande parte dessa profusão de cores vibrantes e luzes que se espalham por aquele grande largo, epítome do capitalismo.
Mas desse mundo do capital, com a potência cinematográfica de Los Angeles e a financeira de Nova York, a história nos revela a importância do neon em termos político-ideológicos diametralmente opostos. Durante a Segunda Guerra Mundial, Varsóvia, a capital da Polônia, foi quase completamente destruída pelas ofensivas e invasões nazistas. No pós-guerra, período em que muitos consideram a cidade ter passado por uma ocupação soviética, houve o tempo de reconstrução. Com um direcionamento de tornar-se um polo industrial, liderada por um regime comunista, a arquitetura dos prédios mostrou-se densa, pesada, com grandes blocos formados de linhas retas, pouca ornamentação e coloridos de cinza. O caminhar pelas ruas ainda hoje faz com que nos sintamos abafados pela imponência edificada durante esse período.
Passaram-se os anos e, em um período de Guerra Fria, observava-se o crescimento do mundo capitalista (e sua publicização), com a centralidade do consumo como forma de satisfação de desejos, instigação do sonho e busca contínua pela felicidade sustentada pelos esforços publicitários. No Estados Unidos, a exuberância do consumo; em Varsóvia, a brutalidade arquitetônica. A solução encontrada na época veio a partir da luz neon. Diversos letreiros foram espalhados pela cidade, que passaram ocupar edifícios importantes e institucionais, como a Biblioteca de Varsóvia, que mostrava uma sereia (símbolo da cidade) sobre um livro aberto.

Neon não apenas como expressividade, mas como estratégia. Se em Varsóvia o neon não se atrelou ao livre mercado e à divulgação de produtos e serviços como no mundo capitalista, ele foi um importante instrumental para levar encantamento às ruas, oferecendo cores, luz e vibração como forma de combate ao imaginário quase onírico que se espalhava sobre as sociedades de consumo do mundo ocidental. Hoje, os comércios da cidade mantêm essa profusão de letreiros luminosos, em um jogo entre a historicidade e o capitalismo atual.
Ligado a esse direcionamento mágico, existe outro efeito de sentido bastante atrelado às sociedades contemporâneas: um hiper-realismo escapista. O artista visual Alê Jordão joga luz a esse significado nessa instalação, na qual reveste de neon aquilo que muito fala no contemporâneo sobre escapismo: amor, drogas e farmacológicos.
O prefixo hiper vem do grego e significa excesso, aumento, posição superior. Ou seja, dizer que algo é hiper significa dizer que algo vai além. O hiper-realismo, dessa forma, não é apenas uma abundância de detalhes que faz o objeto se aproximar do mundo como o conhecemos. O hiper-realismo explora também aquilo que está para além da realidade, que nos desloca desse mundo para um outro espaço. Daí a relação com escapismo.
A vibração da luz neon faz com que ela não pareça natural e que se afaste das cores e intensidades às quais estamos (ou estávamos) acostumados em nosso cotidiano. Isso colabora para criar um universo mágico, deslocado, em que as adversidades da vida não existem, em prol do puro prazer e deleite. Adicione a possibilidade de movimento das luzes neon, que esses sentidos vão ao exponencial.
Não por acaso os neons se espalham pelas ruas de Las Vegas, nos Estados Unidos. A Cidade do Pecado, a Capital Mundial do Jogo… Os nomes são vários, mas o que existe em comum em qualquer olhar para Vegas é o brilho, os excessos e a busca pelo prazer hedonista. O imaginário está exatamente naquilo que se afasta do cotidiano, da vida comum. Se “o que acontece em Vegas, fica em Vegas”, então a cidade é o lugar em que tudo conflui para o encantamento e para o escapismo.
Enquanto esse fascínio generalizado é regra na Times Square, em Hollywood e em Las Vegas, hoje o neon também ganhou seu espaço nas fachadas de lojas, em decorações e uma série de manifestações artístico-culturais. Resultado de uma mistura de valorização com, principalmente, facilidades de produção e de criações de simulacros. Esse direcionamento à massificação não significa a perda de sua mágica, mas pode comprometer o seu destaque, fazendo com que ele se aproxime do lugar comum – o que é uma tensão, já que estamos falando de encantamento.
Quando uma técnica ou estilo cresce em popularidade, acesso e formas de serem realizados, sua aplicação pode trazer novos desafios. O neon hoje está possivelmente cansado, mas a forma que ele é realizado é onde está a complexidade para reavivá-lo. Qual o contexto? Quais as relações que estabelece com os elementos visuais e os estilos ao seu redor? A execução está feita de forma a acionar os significados potentes dessa luminosidade? São algumas das perguntas que devemos fazer ao entrar nesse universo.
Na obra da sp-arte que abriu esse texto, o neon retorna às suas origens, com sugestão de manualidade, cor vermelha e a profusão de fios que lhe alimentam de energia. A mensagem verbal fala sobre a intensidade do amor, que é reiterada pelas linhas que lhe dão forma e a energia cromática. Indo além, a peça contrasta com a tela tradicional ao seu redor, criando um jogo temporal, entre o pesado e o luminoso, entre o austero e o vibrante.
Como tudo nos dias atuais, é pelo pensamento e pelo planejamento que somos capazes de levar sentido aos que fazemos. E é partir deles que devemos trabalhar com o neon, para que ele brilhe em sua aura mágica e encantadora e não caia no esvaziamento e na homogeneização do brilho pelo brilho.