Análise

Manutenção da saúde mental: a terapia como ferramenta de desenvolvimento socioemocional no trabalho

Por Lucas Abreu

16/09/2025 14h00

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No Setembro Amarelo, o Nosso Meio debate com Mariana Medeiros, Sarah Donato e Cristiane Araújo Barreto sobre a importância da terapia para o desenvolvimento de profissionais no mercado

Como toda jovem adulta contemporânea, Mariana Medeiros vive uma rotina acelerada. Durante o dia, ela resolve as demandas típicas da profissão de Head de Redes Sociais, na VBN Marketing. Já a noite, ela se dedica ao curso de Medicina Veterinária na UNI7 – Centro Universitário 7 de Setembro. Quando tem tempo livre, Mariana conclui, aos poucos, a graduação EAD de Marketing na Uniasselvi. Neste contexto, uma dúvida surge: como dar conta de tudo sem desgastar a saúde física e emocional? Para Mariana, a resposta veio no divã.

“Antes da terapia, eu tinha uma rotina mais pesada. Trabalhava em escala 6×1, quase não tinha tempo de descanso e não sabia reconhecer quando precisava parar. Era como se eu estivesse no automático, vivendo só para cumprir tarefas”, ela relata. “Cheguei em um ponto em que percebi que, se eu não mudasse, minha saúde ia cobrar essa conta. A terapia me mostrou que eu precisava olhar pra mim, entender meus limites e me respeitar. Ela também me ajudou a enxergar que eu não precisava ficar presa a uma realidade que me fazia mal, e que eu tinha sim a possibilidade de buscar outros caminhos”.

Segundo a terapeuta Sarah Donato, especialista em desenvolvimento humano e inteligência emocional, a terapia é um processo de autoconhecimento para o desenvolvimento humano em dimensões emocionais, sociais, físicas e espirituais. Ela aponta que, no contexto atual de alta competitividade e exigência mental, a terapia se mostra essencial para fortalecer a inteligência emocional, prevenir adoecimentos e equilibrar vida pessoal e profissional.

Muitas dores dos profissionais tem a ver com gestão emocional e de conflitos, porque lidam com pessoas diferentes de si e entre si. Enquanto algumas pessoas são mais determinadas, perfeccionistas e cumprem prazos em dia, outras precisam de mais tempo para a realização das mesmas tarefas e são mais mansas. As pessoas são diferentes. Quanto mais nos conhecemos mais nos tonamos dóceis e humildes para aceitar as limitações dos outros”, pontua Sarah. “Quem faz terapia percebe o quanto isso é verdade, porque a terapia proporciona ao indivíduo ver quem realmente é, cheio de graça, criatividade, talentos, habilidades e ao mesmo tempo complexo. O terapeuta conduz o paciente a pensar por conta própria, a tomar decisões assertivas, a comunicar com clareza, a estabelecer critérios coerentes e a viver com leveza”.

Dados recentes do Ministério da Previdência Social apontaram que mais de 440 mil trabalhadores se afastaram de suas funções em razão de transtornos mentais e comportamentais, o aumento é de quase 67% em comparação com o mesmo período de 2023. Os principais motivos para os afastamentos foram transtornos de ansiedade (141.414 casos), episódios depressivos (113.604 casos) e transtorno depressivo recorrente (52.627 casos).

Além disso, o relatório People at Work 2023: A Global Workforce View, do ADP Research Institute, revelou que 67% dos trabalhadores brasileiros sentem que seu trabalho é influenciado negativamente pelo estresse e 31% pela saúde mental.

“Eu sinto muito que a nossa sociedade tenha chegado a esse ponto porque eu acredito que o trabalho deve mesmo ocupar um tempo especial na nossa vida e nós devemos sim encontrar um sentido transcendente no trabalho, mas isso não deve estrangular as nossas vidas”, comenta Sarah. “Quando a pessoa percebe que o estresse levou-a ao adoecimento mental e físico, é que ela busca ajuda profissional. Eu defendo um conceito de saúde de forma ampla, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ‘um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afecções e enfermidades’ e acrescento mais o emocional e o espiritual. Uma pessoa sem saúde não consegue atingir o seu máximo potencial e vai sofrer com isso, vai ter mais insegurança, medo, angústia, ansiedade e isso pode deixa-la em situação degradante”.

A psicóloga e gerente de RH do Grupo Urbmídia, Cristiane Araujo Barreto, acredita que a terapia pode ser uma ferramenta capaz de reduzir esses indicativos alarmantes. Segundo ela, profissionais que têm acesso à terapia desenvolvem maior equilíbrio emocional, mais clareza na tomada de decisões e mais disposição para colaborar. Em termos de engajamento, esses colaboradores tendem a se sentir mais valorizados e a desenvolver uma relação mais positiva com a empresa, refletindo diretamente na satisfação e na retenção de talentos.

“Diversos estudos no Brasil indicam que investir em saúde mental é altamente vantajoso para as empresas. Pesquisas mostram que, para cada R$ 1 aplicado em programas de saúde e bem-estar, o retorno varia entre R$ 2 a R$ 8, considerando a redução de absenteísmo, afastamentos médicos e o aumento da produtividade. Um levantamento recente no país aponta retorno médio de R$ 3,68 por real investido. Em nível global, a OMS também confirma que cada US$ 1 investido em saúde mental pode gerar até US$ 4 em ganhos de produtividade”, ressalta.

Segundo Junior Borneli, CEO e founder da StartSe, escola que prepara líderes para atuarem com impacto em um ambiente de mudanças, a inteligência emocional será o diferencial no ambiente de trabalho tendo em vista o paradoxo criado pela era da IA. A projeção aponta uma virada de chave para as empresas colocarem características socioemocionais como prioridade e reverterem o cenário atual, onde 35% dos profissionais não têm certeza se precisam de cuidados com a saúde mental; 18% não possuem plano de saúde que cubram as sessões de terapia e/ou consultas com psiquiatras; e 18% têm receio de sofrer algum tipo de preconceito no trabalho, conforme apontado na pesquisa da Edenred Brasil.

A mesma pesquisa mostra que 55% das empresas ainda não oferecem aos profissionais sessões de terapia ou benefícios relacionados a saúde mental. E das mais de 500 pessoas ouvidas, mais da metade (56%) nunca contou com apoio psicológico ou psiquiátrico, e 25% desembolsam até R$ 500 por mês com saúde mental.

“A inteligência emocional foi um dos pontos que mais evoluíram. Eu aprendi a entender melhor meus gatilhos, a reconhecer quando uma situação não depende só de mim e a não carregar responsabilidades que não são minhas. Isso também refletiu na minha comunicação: hoje consigo ser mais clara, assertiva e até empática em conversas, seja com colegas de equipe, seja com clientes. Quanto à gestão do estresse, ainda é um processo em construção (porque o trabalho em comunicação é naturalmente cheio de pressões), mas sem dúvida me sinto mais preparada pra lidar com os altos e baixos da rotina”, relata Mariana Medeiros.

“Quando uma empresa ou funcionário toma a iniciativa de buscar esse aperfeiçoamento está se munindo de um artefato super poderoso que estamos falando aqui faz tempo: qualidade das relações, comunicação clara, tomadas de decisão assertiva, consciência de si, trabalho com entusiasmo e o gozo de uma vida plena de sentido“, complementa Sarah Donato.