Qualidade, preço e funcionalidade, por si só, já não bastam para conquistar o consumidor do século 21. Em uma era de informação instantânea e concorrência acirrada, o que realmente diferencia uma marca e a eleva ao patamar de relevância e confiança é algo muito mais profundo: seu valor intangível. Propósito, reputação, cultura e uma narrativa autêntica pesam cada vez mais do que ativos físicos, moldando a percepção do público e a lealdade dos colaboradores. Essa é a grande tese que permeia o mercado.
A busca por um propósito é uma jornada complexa e, por vezes, espinhosa. A crítica de Terry Smith, um dos maiores acionistas da Unilever, sobre a tentativa de dar um propósito à maionese Hellmann’s, ressalta a dificuldade e o perigo de criar narrativas sem lastro. Segundo Smith, o papel do produto era apenas “tornar saladas e sanduíches mais saborosos”.
Para Gláucio Binder, Owner na Agência Binder, essa provocação mostra o quanto é difícil, e muitas vezes incômodo, trabalhar propósito. Ou seja, a narrativa não é um mero discurso, mas uma prática. “Há marcas que criam narrativas bonitas só para praticar greenwashin: exploram preocupações legítimas da sociedade, mas sem sustentação real”, pontua Binder.
No entanto, ainda de acordo com Binder, quando o propósito é genuíno e se traduz em ações concretas, a transformação é visível. “No Brasil, gosto de destacar a Caixa Econômica Federal (CEF). Desde sua origem, a CEF carrega compromissos sociais que seguem sendo a essência de sua atuação. Não é apenas um banco: é uma instituição que a sociedade reconhece como parte da sua história”, afirma.
Comentando a pesquisa da Havas, que mostrou que 75% das marcas poderiam desaparecer sem fazer falta, Gláucio afirma que a Caixa estaria nos 25% que seriam sentidos. Isso porque seu propósito é legítimo, enraizado e coerente com sua função. “Costumamos chamar isso de Brasilcentrismo: uma razão de existir que se conecta diretamente com a vida das pessoas”, afirmou Binder.
Ainda para o Owner, o maior erro das empresas atualmente é falar mais do que ouvir. Em vez de perguntar “o que eu gostaria de dizer?”, a pergunta deveria ser “o que meu cliente gostaria de ouvir?”. A escuta ativa permite que as marcas ajustem sua rota e encontrem um propósito que seja, de fato, legítimo.
Mídia OOH
Em meio ao cenário urbano, a mídia Out-of-Home (OOH) emerge como um pilar fundamental para a construção de propósito e narrativa. “Sua presença física, e inegável, permite que as marcas se insiram no cotidiano das pessoas de forma orgânica e impactante”, explica Loli Argello, Chief Commercial Officer na WE OOH.
Contudo, há desafios quando se trata de alinhar a integração da cultura interna da empresa com as campanhas de mídia OOH, de forma que a comunicação externa reflita os valores organizacionais. Para Argello, o principal obstáculo reside em garantir que os valores e o propósito que a empresa prega internamente sejam genuinamente refletidos nas mensagens veiculadas ao público. Isso exige uma comunicação transparente e um engajamento profundo de todos os colaboradores.
“Na We OOH, acreditamos que a cultura organizacional deve ser o alicerce de toda e qualquer campanha. Se a equipe não vive e respira os valores da marca, a comunicação externa corre o risco de soar vazia ou inautêntica. Para superar isso, é fundamental envolver as equipes internas no processo criativo, promover workshops e treinamentos que reforcem a identidade da marca e, acima de tudo, praticar o que se prega”, destaca Loli Argello.
Experiência imersiva como ativo de marca
No universo da criação de conteúdo, as experiências imersivas e os vídeos em 3D transformam o intangível em algo palpável, gerando memória e pertencimento. Rafael Araújo Aioros, CEO da Aioros Studios, defende que a união de sensorialidade, interação e narrativa leva a uma conexão profunda com a marca. “Quando criamos símbolos que extrapolam o racional e colocamos o público como protagonista de uma ação, ele vive a narrativa, cria identificação e memória”, explica.
Para o especialista, o segredo do engajamento emocional não reside apenas na tecnologia, mas em um estudo profundo da marca e do público-alvo. Ele destaca o alinhamento entre o game design e o propósito da marca como essenciais em gamificações. “Isso envolve mecânica da experiência, curva de dificuldade dos desafios, interface do usuário e forma de interagir. Tudo deve ser amigável e cativante, para que o usuário se mantenha engajado e queira voltar. Nos vídeos 3D, por exemplo, o impacto visual, o tempo de exposição e o posicionamento estratégico dos elementos-chave são fundamentais. Quando eliminamos barreiras e atritos para a participação, sobram apenas os pontos positivos da experiência. É nesse momento de imersão que surge o engajamento emocional e a percepção de valor”, destaca Rafael Aioros.
Um case de sucesso da Aioros Studios é o game “Lights Out”, desenvolvido para o aplicativo do McDonald’s. Aioros explica que o jogo simula um grid de largada de Fórmula 1, onde o jogador precisa clicar o mais rápido possível quando as luzes se apagam. A performance determina a classificação do jogador e a porcentagem de desconto. “A própria gameplay transmite valores como velocidade, performance e competitividade. Ações como essa geram valor para o cliente, conectam entretenimento e benefício real, estimulam lealdade e evidenciam a capacidade de inovação e criatividade. Tudo isso fortalece ainda mais parcerias importantes como a com a Fórmula 1”, explica.
Nesse contexto, Loli Argelo aponta que a tecnologia tem sido a grande propulsora dessa evolução. A transição para o Digital Out-of-Home (DOOH) permite que as marcas criem experiências interativas e personalizadas. O case da British Airways também é um exemplo prático e inspirador da ação OOH que transmitiu efetivamente propósito e valores. Em vez de um anúncio estático, a campanha exibia uma criança apontando para aviões reais da companhia que sobrevoavam o local. Contudo, o forte da ação era que o anúncio era ajustado em tempo real, mostrando o nome do voo e o local de decolagem.
“Essa campanha não apenas demonstrou a capacidade tecnológica da British Airways, mas também transmitiu um senso de magia, conexão e a promessa de levar as pessoas a destinos distantes, valores intrínsecos a uma companhia aérea. O propósito de conectar pessoas e lugares foi tangibilizado de uma forma lúdica e memorável, gerando um impacto emocional positivo e reforçando a percepção da marca como inovadora e confiável”, relata Argello.
O futuro, na visão de Loli, aponta para uma OOH cada vez mais inteligente e humana, com o uso de inteligência artificial e dados preditivos para antecipar as necessidades do público. A interatividade se tornará a norma, transformando o espaço urbano em uma galeria de histórias de marca.
Valor intangível
Glaucio Binder também cita o exemplo da marca de roupas Patagônia, que, no cenário internacional, serve de inspiração. “Uma marca que não só fala de sustentabilidade, mas coloca esse princípio acima de lucros imediatos. O resultado é uma comunidade de consumidores apaixonados, que não compram apenas roupas, mas uma causa”, ressalta.
Assim, a mensuração desses intangíveis é possível, desde que haja disciplina. Pesquisas de mercado e análise de desempenho são ferramentas importantes para transformar valores em indicadores claros, guiando as decisões estratégicas. O desafio para as empresas é o mesmo do mercado, que busca se adaptar constantemente a um consumidor mais consciente e exigente: ser, de fato, o que se diz ser.
