Executivos têm decidido trocar a mesa da diretoria, com seus relatórios, dashboards e longas reuniões, pelo chão da operação, e neste espaço estão descobrindo que as respostas mais transformadoras, muitas vezes, estão nas vozes de quem veste o uniforme da empresa diariamente.
Empresas de setores distintos, como varejo, bebidas e materiais de construção, mostram que ouvir a linha de frente é mais do que uma boa prática de gestão: é um poderoso motor de inovação, engajamento e eficiência.
Quando a estratégia desce do topo e ganha voz no chão da loja
Daniela Cabral, CEO do Grupo Acal, acredita que o grande desafio é cultural. Em um segmento tão ágil e prático quanto o de material de construção, as decisões sempre partiram do alto. “O maior obstáculo foi quebrar o paradigma de que a estratégia acontece apenas dentro da sala de reunião. Levar a ‘sala para o campo’ significou entender que quem está na operação enxerga o que os números não mostram”, afirma.
A transição exigiu humildade e constância. “Escutar demanda tempo e disposição. No início, há resistência, mas quando o time percebe que a escuta é verdadeira e que suas ideias geram mudanças concretas, nasce uma nova cultura”, explica Daniela.
Essa cultura de escuta virou estrutura. A Acal criou comitês mistos, onde vendedor, estoquista e gestor têm voz igual. “Um exemplo veio da logística: o time sugeriu criar um aplicativo de agendamento de retiradas com janelas de horários. A mudança reduziu em 40% o tempo médio de entrega. Essa ideia não veio de consultoria, veio de quem vive o processo todos os dias”, conta.
Mais do que coletar sugestões, a líder reforça a importância de fechar o ciclo: “Ouvir é importante, mas dar retorno é essencial. Mostrar que a ideia foi implementada reforça o senso de pertencimento e cria um ciclo de inovação contínua.”
Com 20 mil colaboradores espalhados pelo país, a Solar Coca-Cola é um gigante em que a proximidade com a base é estratégica. André Salles, CEO da companhia, defende que “liderar com presença” é um princípio de gestão. “Estar na linha de frente ensina sobre o clima da organização, o engajamento e a eficiência dos processos. São esses colaboradores que fazem a Solar acontecer, superando desafios e entregando resultados com paixão”, afirma.
A empresa mantém múltiplos canais de diálogo, como o programa ‘Fala, Solar!’, pesquisas de clima e visitas frequentes da liderança às fábricas, centros de distribuição e rotas comerciais. “Com a nossa capilaridade, comunicar-se com a ponta é fundamental. Os programas de escuta ativa garantem que as vozes da operação sejam transformadas em melhorias concretas”, explica Salles.
Um exemplo é o Programa Êxito, que promove fóruns de excelência operacional. “São os próprios colaboradores que discutem melhorias em processos e equipamentos, resultando em ganhos de eficiência e redução de custos. No comercial, muitas campanhas de incentivo nasceram de sugestões do time de vendas”, diz.
Para o executivo, essa postura tem efeito direto na cultura organizacional: “Liderar com presença inspira confiança e reforça o orgulho de ser Solar. A proximidade fortalece o engajamento e a performance. Visão estratégica e vivência operacional são complementares — a primeira mostra o caminho, a segunda garante que estamos pisando firme nele.”
O aprendizado vem da escuta e da convivência
No varejo, onde o pulso do negócio está nas lojas, Alan Oliveira, diretor da Zenir Móveis, acredita que nenhuma planilha substitui o contato direto com quem vende e com quem compra. “Estar próximo das equipes e dos clientes é fundamental para que as decisões estratégicas reflitam a realidade do negócio. O olhar de quem está na linha de frente é valioso demais para o crescimento da empresa”, ressalta.
A Zenir, que soma dezenas de unidades e milhares de colaboradores, transformou observações simples em diferenciais competitivos. “Um exemplo foi a política de manter um nível de estoque mais alto para garantir pronta entrega. Essa ideia nasceu de conversas entre vendedores e equipe de logística, que perceberam o impacto disso na decisão de compra do cliente. Hoje, a agilidade na entrega é um dos nossos maiores diferenciais”, conta Alan.
O líder destaca que manter a cultura viva é uma prioridade. “A presença constante da liderança nas lojas e o reconhecimento do esforço de cada colaborador reforçam nossos valores. Mesmo crescendo, continuamos sendo uma empresa próxima, acolhedora e com forte senso de pertencimento.”
Empatia e presença: o novo DNA da liderança
As três trajetórias revelam um ponto em comum: o líder que desce ao campo descobre que resultados e vínculos caminham juntos. Durante a pandemia, a Acal aprendeu com o time de entrega que “logística é também cuidado”; na Solar, a convivência com o chão de fábrica reforçou que “ouvir mais que falar” é um exercício diário; e na Zenir, o contato com o cliente e o vendedor mostrou que a inovação nasce da observação e da prontidão para agir.
Essas experiências materializam uma tendência crescente no mundo corporativo: a liderança com presença, conceito que substitui o controle pelo diálogo e a hierarquia pela colaboração.
Em síntese, Daniela Cabral abraça a ideia de que liderar é cuidar, e cuidar é enxergar o outro como parte da solução. Já André Salles defende que é no campo onde se entende o verdadeiro papel do líder: ouvir, compreender e transformar. Por fim, Alan Oliveira diz que o segredo é simples: “quanto mais próximos estamos das pessoas, mais certeiras são as nossas decisões”.
