3ª edição - Brasília

Matéria de Capa | O Valor do Intangível

Por Redação

23/10/2025 10h30

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Quando propósito, reputação, cultura e marca pesam mais que ativos físicos

Na economia contemporânea, o capital de uma marca não mais reside apenas em fábricas, imóveis ou saldos bancários. Uma mudança de paradigma colocou o valor intangível, ou seja, aquilo que não é palpável, composto por propósito, reputação, cultura e marca, no centro das decisões de negócio, pesando mais que ativos físicos na percepção de mercado e na atração de stakeholders.

Essa transformação não é apenas filosófica; é estratégica, demandando que as empresas alinhem seu discurso com sua prática diária, transformando emoção em métrica de resultado e identidade interna em prestígio externo. Para Gian Franco, sócio e head de estratégia da Pande Branding, o desafio crucial das marcas é vencer o que ele chama de “abismo discursal”. Ou seja, a distância entre o que a empresa comunica e o que ela pratica. Mudar o slogan é simples, mas transformar o “habitus organizacional”, o conjunto de disposições invisíveis que guiam o pensamento e a ação no dia a dia, é complexo.

“Se a organização anuncia que é colaborativa, mas mantém decisões centralizadas e hierarquias rígidas, a incoerência aparece imediatamente. Se diz ser inovadora, mas continua premiando apenas resultados de curto prazo, o discurso cai no vazio. Externamente, essa incoerência destrói a reputação. Internamente, corrói o engajamento. E ambos os lados se retroalimentam, fragilizando a legitimidade da marca no campo em que atua”, alerta Franco. 

Com base em dados, de acordo com o estudo global “Addressing the Empathy Gap”, realizado pela Zurich Insurance Group em parceria com a YouGov, 86% dos brasileiros consideram importante ou muito importante que empresas demonstrem empatia e se preocupem genuinamente com suas necessidades. O país ocupa a terceira posição global, atrás apenas do Chile (89%) e ao lado de Portugal (86%).

Além disso, a pesquisa ainda destaca o impacto dessa percepção intangível, demonstrando a preocupação do público com prática e não apenas com discurso: o Brasil é o segundo país do mundo onde consumidores estão mais dispostos a pagar mais por produtos ou serviços de marcas empáticas. Uma vez que 60% dos entrevistados aceitariam esse custo adicional, atrás apenas da Malásia (65%). 

Os números mostram que os brasileiros identificam empatia como um ativo e um tratamento respeitoso ao cliente, além da clareza em relação a preços e serviços, e a disponibilidade de um atendimento humano e acessível. Ademais, a responsabilidade social e ambiental de uma empresa é vista como um importante indicador de preocupação pelo público. Um simples ato, como a devolução pessoal de um objeto esquecido por um motorista de aplicativo, demonstra o poder do gesto humano na consolidação da confiança entre marca e público-alvo.

Mensurando o invisível

Dentro do âmbito da “economia da atenção”, uma produção de conteúdo, por exemplo, precisa ir além do clique para tocar no seu consumidor final. De acordo com Janayna Lira, Coordenadora de Comunicação e Marketing na Universidade Católica de Brasília (UCB), tal ação deve combinar relevância, autenticidade e narrativa para conquistar o espaço emocional da “pessoa-alvo”. Para ela o intangível, nesse contexto prático, mora onde o público não pode tocar, mas apenas sentir. 

“Hoje, não basta apenas disputar segundos de visualização; é preciso conquistar espaço emocional na vida das pessoas. O que realmente faz a diferença é quando o conteúdo combina relevância, autenticidade e narrativa. Relevância porque o público quer respostas rápidas para suas dores ou interesses. Autenticidade porque ninguém se conecta a algo que parece artificial ou forçado. E narrativa porque histórias bem contadas despertam emoção, criam identificação e permanecem na memória. Elementos como imagens fortes, linguagem simples e humana, e a capacidade de provocar reflexão ou gerar pertencimento são os que capturam não só os olhos, mas o coração. No fim, as pessoas não lembram apenas do que viram, elas lembram de como aquilo as fez sentir”, pontua Janayna. 

Para veículos de comunicação de grande alcance como a TV aberta, o valor intangível se traduz em credibilidade e legitimidade. Alarico Naves, superintendente comercial multiplataforma da Rede Record, explica que o valor da emissora se revela na soma de três fatores: “credibilidade construída ao longo de décadas, audiência qualificada e capacidade de gerar conversas que extrapolam a tela”. A TV aberta, segundo o superintendente, não entrega apenas escala, mas “relevância e legitimidade que se convertem em valor de marca” para os anunciantes.

“Com narrativas consistentes, alinhadas ao propósito da marca e inseridas no contexto certo, a TV aberta potencializa atenção e emoção como poucos meios conseguem. Já existem indicadores capazes de medir retenção em campanhas, mas com a TV 3.0, será possível mensurar em tempo real como o público se conecta às marcas, cruzar dados de consumo e oferecer métricas tão robustas quanto as do ambiente digital”, disse Alarico. 

Resultado de estratégia

Um case estratégico que ilustra a força desse ativo intangível é a criação de projetos regionais que conectam marcas a temas de interesse público, como o Record Talks em Brasília. Naves conta que, em uma de suas edições, chegou a reunir personalidades como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Caixa Econômica Federal e o presidente da Embratur para debater sobre a COP30, um dos maiores eventos mundiais.

“Nesse case, o time comercial foi estratégico ao transformar esse conteúdo em valor para os parceiros, oferecendo não apenas visibilidade, mas associação direta a pautas de relevância nacional e global. Assim, o comercial da Record não vende só mídia, ele cria projetos diferenciados em plataformas que unem propósito, reputação e diálogo social, amplificando o valor das marcas que escolhem estar ao nosso lado”, conta Alarico. 

Recursos e desafios

Por outro lado, o desafio, então, é como transformar os valores intangíveis em dados. Segundo Janayna Lira, alguns recursos podem funcionar como “tradutor de emoção em valor mensurável”. O storytelling é um deles. Para a especialista, quando contamos histórias, criamos empatia e despertamos sentimentos, “e são justamente esses sentimentos que direcionam comportamentos: engajamento, compartilhamento e, no fim, decisão de compra ou adesão a uma ideia”. 

“O storytelling bem estruturado conecta o que o público sente a indicadores claros para as empresas, como tempo de retenção, taxa de conversão e nível de lealdade. Ou seja, a história emociona, mas também gera dados e resultados: curtidas, cliques, inscrições e vendas. No fundo, a narrativa é a ponte que transforma emoção em ação e ação em métrica de resultado. É isso que permite às empresas entenderem, de forma concreta, o impacto de tocar as pessoas de maneira autêntica”, explica Lira. 

Como exemplo prático, Janayna compartilha o case do “Universo Católica” da Universidade Católica de Brasília (UCB) – um evento que reúne mais de 7 mil estudantes do ensino médio para uma experiência imersiva em profissões conhecendo cursos, professores e a estrutura da universidade. “Temos resultados concretos. Do lado mensurável, transformamos essa emoção em matrículas e em negócios: mais de 1.000 estudantes já realizaram o vestibular durante o evento, ficando aptos a efetivar o registro ao final do ensino médio. Esses números mostram não só a adesão no curto prazo, mas também indicadores estratégicos de intenção. Esse é o poder de unir emoção e estratégia, transformar encantamento em números e números em sustentabilidade para a marca”, destaca a coordenadora de comunicação da UCB.

Passo a passo

Gian Franco também sugere ir além das métricas de superfície, para mensurar os intangíveis. Para isso, há alguns indicadores estratégicos que podem revelar quais as percepções do público-alvo a uma determinada marca, são eles: 

Índice de confiança na marca: índices como Net Trust Score e reputação setorial, mas sempre cruzados com análises de consistência cultural interna.

Percepção de marca: pesquisas de brand equity (índices de força de marca e diferenciação da marca) combinadas com análises semânticas de social listening, que mostram quais atributos simbólicos estão sendo associados à marca.

Cultura organizacional: indicadores de engajamento interno versus percepção externa, revelando se existe alinhamento entre discurso e prática.

Valoração de intangíveis: métricas financeiras de ativos imateriais (marca, reputação, capital humano) que traduzem atenção e emoção em valor econômico.

“Ou seja, as métricas e indicadores mais valiosos são aqueles que conectam o que a marca diz com o que ela realmente vive. Se o habitus mudou, o mercado percebe, e esse é o sinal inequívoco de que a narrativa deixou de ser apenas promessa para se tornar realidade”, reforça Franco, e ainda complementa ao destacar que coerência exige alinhar narrativa com três alavancas simples e invisíveis que são responsáveis por moldar o habitus organizacional: “O Ambiente físico”, tratado como os espaços, símbolos e estética; “⁠A Cultura simbólica”, que pode ser definido como o rituais, histórias e celebrações e, por fim, “As Práticas operacionais”, que significam os critérios de avaliação, processos e rotinas.

Aplicação

Essas três frentes foram aplicadas em um case compartilhado pelo especialista. Gian Franco descreveu um projeto marcante que demonstra como a estratégia de branding pode materializar ativos intangíveis e gerar impacto direto nos negócios: o reposicionamento da FTD Educação. Tradicionalmente conhecida como FTD Editora, a marca carregava um relevante capital simbólico no campo educacional brasileiro, associado à tradição e à qualidade dos livros didáticos. Contudo, com a ascensão do digital, a posição de “editora” se tornou “limitante e até certo ponto inadequada para a visão de futuro da FTD, de acordo com Franco. 

Ao aplicar as alavancas, o impacto da estratégia foi tangível. “Internamente, colaboradores passaram a se reconhecer como parte de uma organização moderna, mais ampla e relevante, não apenas como trabalhadores de uma editora. Externamente, o mercado percebeu a FTD como uma parceira estratégica de escolas e professores, não apenas como fornecedora de materiais, ampliando seu faturamento. A organização prevê uma receita de mais de R$1,5 bilhão no ciclo 2024/2025, projetando um novo patamar de R$3 bilhões até 2030. A empresa dobrou seu faturamento líquido nos últimos quatro anos, alcançando R$1 bilhão em 2024 e projeta uma aceleração nesse avanço ainda em 2025”, detalha.

O case, conclui Gian Franco, demonstra como a FTD converteu capital cultural (tradição editorial) em capital simbólico (prestígio como provedora de soluções) e, a partir daí, em capital econômico (crescimento real do negócio). “Esse caso mostra de maneira clara como o branding, quando entendido e aplicado como uma abordagem relacionada a um conceito de estratégia ampla, é capaz de reconfigurar identidades, transformar habitus organizacionais e reposicionar a marca em seu campo de atuação, gerando resultados intangíveis”, conclui o especialista. 

Em suma, valores intangíveis também podem ser percebidos através da confiança e engajamento do público com sua marca. Contudo, para Janayna Lira, esses pilares são construídos quando o público percebe coerência entre o que a marca fala e o que ela entrega. No universo digital, esses ativos são aplicados em práticas que funcionam além de formatos da vez. “Vídeos humanizados, depoimentos reais e conteúdo em tempo real e ativações, criam uma sensação de proximidade difícil de substituir. Plataformas que permitem diálogo direto, como redes sociais e comunidades online, são fundamentais para manter essa relação”, acrescenta Lira. 

A coordenadora da UCB conclui apontando que o ponto-chave para essa construção se chama constância. ”Não adianta aparecer apenas em lançamentos ou datas comemorativas. Marcas que se mantêm presentes, ouvindo, respondendo e trazendo valor no dia a dia, conseguem transformar seguidores em defensores de longo prazo”, conclui.