Brasil é o maior fornecedor de alimentos para os 57 países da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), com 40% das exportações das proteínas de boi e frango sendo direcionadas a países islâmicos
Os seguidores do Islamismo estão familiarizados com a Sharia – sistema jurídico baseado nos ensinamentos do Corão, nas condutas do profeta Maomé e nos pronunciamentos de estudiosos das escrituras sagradas. O conjunto de leis rege os costumes dos muçulmanos, incluindo aquilo que é ou não permitido para o seu consumo, o qual é chamado de Halal – palavra árabe que pode ser traduzida como lícito ou permitido. Esse conceito, entretanto, não se limita apenas ao campo religioso, pois o Halal também designa um tipo de mercado emergente, lucrativo e que tem o Brasil como um de seus protagonistas.
De acordo com o relatório The State of Islamic Report 2023/2024, a economia islâmica movimenta atualmente mais de US$ 7 trilhões globalmente, com projeções para atingir os US$ 10 trilhões até 2030. O crescimento composto anual é de aproximadamente 5,5% em segmentos como alimentação, finanças, moda, cosméticos, fármacos, turismo, lazer e entretenimento.
Apesar da comunidade muçulmana ser pequena em seu território, o Brasil é destaque no Mercado Halal em âmbitos internacionais. O país é o maior fornecedor de alimentos para os 57 países da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), com 40% das exportações das proteínas de boi e frango sendo direcionadas a países islâmicos, conforme dados fornecidos pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Além da carne, o Brasil também exporta outros itens Halal como açúcar, café, óleo de amendoim, arroz, algodão e soja. Entre os países que mais importam os produtos nacionais, estão a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, a China, o Japão e o Egito, segundo dados da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS).
Em 2024, a empresa de pesquisa de mercado e consultoria Grand View Review divulgou dados expressivos sobre a logística do mercado Halal no Brasil. Segundo o estudo, a nação gerou uma receita de aproximadamente US$ 10.686 milhões, representando 2,7% do mercado global de logística Halal. Em termos de segmento, o armazenamento foi o componente com maior geração de receita em 2024. Espera-se que o mercado cresça a uma taxa composta de crescimento anual de 6,1% entre 2025 e 2030, superando a média global supracitada e atingindo o montante aproximado de US$ 15.305 milhões.
A Certificação Halal
Integrantes de um mercado internacional e que movimenta milhões de dólares, os produtos Halal são regulamentados por entidades especificas ao redor do mundo, que atestam a origem e licitude do produto conforme a Sharia. No Brasil, a FAMBRAS Halal é a responsável pela emissão dos certificados, garantindo a sua comercialização nos países que exigem a comprovação.
“A FAMBRAS é pioneira em certificações no Brasil, com mais de 40 anos de mercado, atuando também em toda América Latina com filiais na Argentina, Colômbia e Paraguai. Implementamos o Sistema Halal no Brasil seguindo as principais normas internacionais e já certificamos mais de 600 empresas nacionais, garantindo que seus produtos possam ser comercializados em países que exigem a certificação”, pontua Ali Zoghbi, vice-presidente da FAMBRAS Halal.

A certificação Halal é fundamentada nos princípios do Islã. Suas bases primárias são o Corão e a Sharia, que estabelecem o que é permitido (Halal) e o que é proibido (Haram). Para garantir a credibilidade e a harmonização internacional dos processos de certificação, a FAMBRAS Halal segue um conjunto de normas técnicas reconhecidas globalmente, como a ISSO/IEC 17065, que estabelece diretrizes para certificação de produtos, além de normas específicas para determinadas regiões e produtos como fármacos e cosméticos como a GS0-2055-2 e a SMIIC 2.
“Além disso, a FAMBRAS Halal exige que todos os produtos certificados atendam também à legislação sanitária brasileira, incluindo requisitos de segurança do produto, como as boas práticas de fabricação (BPF)”, pontua Elaine Carvalho, gerente de qualidade da FAMBRAS Halal. “Esse conjunto de normas religiosas e técnicas garante que os produtos certificados pela FAMBRAS Halal atendam aos mais altos padrões de conformidade, segurança e respeito aos valores da comunidade muçulmana”.
De acordo com as normas internacionais, a certificação Halal possui validade de três anos. O processo para obtê-la se inicia com uma auditoria inicial em dois estágios. Após a obtenção do certificado, a empresa passa por auditorias de manutenção anuais — também chamadas de auditorias de estágio 2 — para assegurar a conformidade contínua com os requisitos Halal. Ao final do ciclo de três anos, caso deseje continuar certificada, a empresa deverá passar por uma nova auditoria de estágio 2, mais extensa, para renovação.
O processo de certificação Halal para setores como alimentos, cosméticos, fármacos e turismo segue princípios semelhantes, com adaptações específicas para cada segmento, sempre com base na Sharia e nas normas técnicas reconhecidas internacionalmente. No caso de cosméticos e produtos farmacêuticos, assim como nos alimentos, é essencial garantir que o produto esteja livre de qualquer substância considerada Haram (proibida), como:
- • Carne suína e seus derivados;
- • Bebidas alcoólicas e substâncias entorpecentes;
- • Derivados de seres humanos (ex: placenta, células, DNA humano);
- • Insetos e animais não permitidos (ex: predadores, aves de rapina, animais venenosos, cães, sapos, burros);
- • Derivados de animais permitidos (lícitos) que não foram abatidos de acordo com o rito Halal.
A análise para a certificação Halal vai além da formulação dos produtos, e inclui todos os ingredientes, insumos, aditivos, auxiliares de processo. Além disso, as embalagens, produtos de limpeza utilizados, lubrificantes de equipamentos e o risco de contaminação cruzada durante a produção são levados em conta. A FAMBRAS Halal também avalia aspectos como a responsabilidade socioambiental da empresa – incluindo descartes de resíduos, respeito aos direitos trabalhistas e às condições de trabalho –, como também seus setores de comunicação e marketing, especialmente no uso adequado do selo Halal e na apresentação do produto.
Turismo Halal
O Mercado Halal não se limita apenas a produtos, mas também engloba o setor de serviços, sendo o turismo Halal um dos setores mais promissores. O modelo de classificação vai desde o conceito “Muslim Friendly” (amigável para muçulmanos) até o de estabelecimentos certificados como Halal.
Para serem considerados “Muslim Friendly”, hotéis, resorts e companhias aéreas devem oferecer facilidades como indicação da Qibla (direção de Meca) nos quartos, disponibilidade de tapetes de oração, alimentação Halal, ausência de bebidas alcoólicas no frigobar e equipes preparadas para indicar mesquitas próximas.

No caso de locais certificados, os critérios são mais rigorosos, incluindo a exclusividade de alimentos Halal (no caso de restaurantes), abolição de bebidas alcoólicas nas áreas do estabelecimento e áreas de lazer, como piscinas, separadas por gênero ou horários exclusivos para homens e mulheres.
“Esses cuidados garantem que o consumidor muçulmano possa usufruir dos serviços e produtos com segurança, conforto e em conformidade com seus princípios religiosos”, pontua Elaine Carvalho.
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