A indústria da moda enfrenta desafios e busca integrar sustentabilidade, artesanato e inovação para reduzir seu impacto ambiental e promover um consumo mais consciente
A moda, uma das indústrias mais influentes e criativas do mundo, carrega também uma grande responsabilidade ambiental. De acordo com dados da Agência Brasil, a indústria têxtil é a segunda mais poluente do mundo, ficando atrás apenas da petrolífera. Estima-se que 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartadas nos últimos anos, de acordo com levantamento publicado pela Global Fashion Agenda.
Neste cenário, o setor têxtil está no centro das discussões sobre sustentabilidade, instigando uma transformação necessária no comportamento de consumo. Esta necessidade de transformar a moda em um setor mais responsável ambientalmente foi destaque na 25ª edição do DFB Festival, o Dragão Fashion Brasil, festival considerado o maior de moda autoral da América Latina.
“Nossa ideia era deixar claro que o mundo exige mudanças nas práticas que envolvem as múltiplas camadas do consumo e do comportamento. Então, além das práticas que já adotamos, nós focamos na renovação do pensamento”, explica Claudio Silveira, idealizador do evento.
Entre os destaques da edição, esteve o Concurso dos Novos, que envolve faculdades e cursos técnicos de design de moda em todo o Brasil, no qual todas as coleções apresentadas tinha como base tecidos em 100% algodão e técnicas de upcycling, além da programação do DFB Fashion Summit, com palestras e talks focadas nas práticas sustentáveis na criação, produção e consumo de moda.
Desafios e práticas sustentáveis
De acordo com uma pesquisa do Sebrae, realizada em 2023, são produzidas cerca de 170 mil toneladas de roupas por ano no Brasil, mas apenas 20% dessas peças são recicladas ou reaproveitadas. Globalmente, a Fundação Ellen MacArthur revelou que 80% dos itens descartados são incinerados, enviados para aterros sanitários ou abandonados no meio ambiente. Para Cláudio, a indústria da moda enfrenta dois desafios imediatos: a adequação de práticas sustentáveis na indústria têxtil e os custos para se criar e produzir moda sustentável.
“Não há mais tempo para que a indústria mude; essa mudança já se impõe de forma definitiva e quem não se adequar vai, mais cedo ou mais tarde, acabar pagando o preço por isso. A indústria e os criadores precisam dialogar com as fontes dos insumos para encontrar alternativas produtivas e fazer com que todas as pontas do processo dialoguem e, juntas, consigam suprir as demandas de mercado de forma sustentável “, enfatiza.
Essa visão é compartilhada por muitos que estão na linha de frente da moda consciente, como a artesã Ione Pioner, que encontrou no patchwork e no reaproveitamento de resíduos têxteis uma maneira de aliar criatividade e sustentabilidade.
“Para mim, moda sustentável é olhar para dentro, é saber usar as ferramentas e os recursos que estão à mão. Também é respeitar o meio ambiente e potencializar os saberes ancestrais. Tudo que é feito à mão tem um valor especial e eu acredito muito na força do trabalho manual”, pontua.
Inovação sustentável
A economia circular surge como uma alternativa essencial para transformar o atual ciclo linear da indústria têxtil. Em vez de extrair, produzir, consumir e descartar, esse modelo propõe um sistema onde os recursos são mantidos em uso pelo maior tempo possível, minimizando o desperdício e incentivando o reaproveitamento.
Dentro desse contexto, os brechós ganham destaque como uma das expressões mais concretas da economia circular. Ao promover a reutilização de peças, os brechós não apenas prolongam a vida útil das roupas, mas também incentivam um olhar mais consciente para o consumo.
Exemplo desse movimento é o brechó Peça Rara, rede presente em todo Brasil. Laila Teixeira, responsável pelo negócio em Fortaleza (CE), destaca a mudança na percepção do público em relação ao consumo de peças de segunda mão.
“O Peça Rara veio realmente para quebrar esse preconceito. Eu acho que 80% das pessoas já mudaram o seu modo de ver, de comprar peças de segunda mão. Algumas acabam não comprando, mas já desapegam, o que já é um grande passo”, pontua a empresária.
Para Laila, trazer o brechó para a cidade foi uma iniciativa inovadora.
“Não tinha brechó em Fortaleza nesse nível. A gente veio para trazer esse movimento realmente circular, estimulando as pessoas a desapegarem, tirarem peças no seu guarda-roupa, que elas não utilizam mais, para dar uma nova vida”.
É na inovação também que Cláudio Silveira encontra a ponte para dialogar com a moda sustentável.
“Para ser sustentável, é preciso que o criador seja inovador. E, no contrafluxo, não há mais como adotar uma prática inovadora se ela não for efetivamente sustentável. Eu, particularmente, acredito que uma moda ética, transparente, criativa e comprometida com processos sustentáveis é o único formato possível para que tenhamos um cenário promissor para a nossa indústria”, finaliza o idealizador do DFB.