Na primeira semana de dezembro, todo mundo estava olhando para o mesmo lugar: a estreia de mais uma temporada de Stranger Things quebrando recordes na Netflix. Lá embaixo, discreto no ranking global das séries mais assistidas, apareceu um nome que, para muita gente, poderia passar batido. Mas, para quem vive de internet, foi um sinal claro de que o jogo mudou: Mark Rober’s CrunchLabs no Top 10 global da Netflix.
Não era uma superprodução bilionária de Hollywood. Era um criador de conteúdo de ciência, ex-engenheiro da NASA, que passou a última década construindo vídeos para o YouTube e agora divide o mesmo palco que as maiores franquias de entretenimento do mundo. Mark Rober, com 72,1M de inscritos no YouTube, ultrapassa a cantora global Taylor Swift na plataforma, que possui 62,7M de inscritos. (Com isso, conseguimos para imaginar a força da comunidade que ele criou)
Não estamos mais falando de “influenciador que ganhou um programa na TV”. Estamos vendo a economia da influência encostar, de verdade, na lógica de Hollywood.
Formato de conteúdo gerado por criadores
O mais interessante da série do Mark Rober na Netflix não é só o fato de ela existir e estar no Top 10. É o formato que ela existe.
A maior parte dos episódios de Mark Rober’s CrunchLabs não nasceu dentro de um estúdio de streaming. Nasceu no YouTube, como vídeos “soltos” de um canal de ciência: o maior jato de pasta de dente do mundo, o ovo que cai do espaço e a piscina gigante de gelatina são alguns exemplos do conteúdo direcionado ao público infantil. Tudo isso foi reempacotado como temporada, com curadoria, narrativa de maratona e selo de “original” na prateleira mais nobre do entretenimento global. (Netflix, você segue dando AULA no mercado de entretenimento!)
Enquanto isso, a própria Netflix prepara o terreno para uma série de competição totalmente nova com o mesmo creator, prevista para 2026 e produzida por ninguém menos que Jimmy Kimmel. Ou seja: Primeiro, eles licenciam o catálogo antigo (produzido e validado pelo criador de conteúdo). Depois, usam este catálogo como trailer estendido para a próxima grande estreia (que será produzida pela Netflix).
Se você trabalha com marketing, isso não é só uma curiosidade de entretenimento. É um plano de negócios. Hollywood sempre viveu assim: franquias, relançamentos, spin-offs, janelas diferentes para o mesmo conteúdo… Agora, é a biblioteca de um creator que entra nesse jogo.
Netflix vs YouTube não é uma guerra. É um funil.
Durante muito tempo, o mercado tratou YouTube e Netflix como se fossem lados opostos:
- De um lado, criadores “amadores”, algoritmos, vídeos gratuitos;
- Do outro, estúdios, roteiristas, grandes orçamentos, assinatura mensal.
O caso Mark Rober prova que essa divisão está ficando ultrapassada. Hoje, o YouTube funciona como laboratório: é onde o creator testa formatos, entende o que cola, conversa com a comunidade, afina a narrativa. É ali que ele descobre, na prática, o que merece ser expandido para outras janelas.
A Netflix entra como segunda janela premium: é o lugar que transforma anos de vídeos em um catálogo organizado, com nova proposta de valor, nova percepção de marca e nova camada de receita. Não é “um ou outro”. É um ecossistema.
Onde o Brasil assiste vídeos longos e por que isso muda tudo
Durante a Missão Nosso Meio 2025, fizemos uma visita à Netflix Brasil e recebemos uma pesquisa que reforça algo que está acontecendo silenciosamente no mercado. Quando perguntaram aos brasileiros onde eles assistem vídeos longos, o resultado foi certeiro: YouTube lidera com 61% e, logo em seguida, vem a Netflix com 50%.
Dois players gigantes dividindo o mesmo hábito de consumo. O mesmo tempo de tela e mesma disputa pela atenção profunda. E foi aqui que a análise de Jon Youshaei fez todo sentido. Na última edição da newsletter Created, ele comenta sobre o caso Mark Rober: “a melhor defesa é o ataque”. Enquanto o YouTube domina o território dos longos e cuida da comunidade que sustenta seus creators, Hollywood está respondendo não apenas com mais produções originais… mas com algo ainda mais estratégico: a aquisição de bibliotecas de criadores.
Se antes o streaming comprava direitos de filmes e séries, agora compra histórico de conteúdo. Dez anos de vídeos. Narrativas que nasceram no quarto, na garagem, no improviso. Catálogos que já vêm testados, validados e amados por milhões de pessoas. É o movimento perfeito para um mercado onde creator virou estúdio, feed virou portfólio e a audiência virou ativo licenciado.
De um lado, o YouTube segue como o maior laboratório de formatos do mundo. Do outro, a Netflix começa a transformar criadores validados pelo YouTube em celebridades na indústria de Hollywood. Nós estamos assistindo, ao vivo, a linha entre Creator Economy e Hollywood desaparecer.
O impacto disso na economia criativa
Para creators: O futuro não está em produzir “vídeos virais”. Está em construir catálogo estratégico. Conteúdos que sobrevivem ao tempo, que podem ser reempacotados, licenciados, adaptados, escalados. O creator que vai dominar 2026 não é o que acerta um trend. É o que constrói uma biblioteca que vale equity.
Para marcas: Acabou o tempo de pensar “campanha por campanha”. As marcas que vencerem serão as que construírem seu próprio catálogo. Suas “temporadas”, janelas de distribuição e uma narrativa contínua que pode e deve, inclusive, transcender redes sociais. Se Hollywood está olhando para creators como estúdios, talvez seja hora das marcas olharem para si mesmas da mesma forma.
Criadores não são vitrines. São ecossistemas. A influência brasileira nunca esteve tão perto de Hollywood. 2026 tem tudo para ser o ano em que esse encontro finalmente se profissionaliza.
Até a próxima cena!
Indicação de conteúdo:
A partir deste mês, quero finalizar cada artigo da coluna com indicações de conteúdos que ajudam a entender para onde a economia criativa está indo, direto da fonte. Começando hoje com Spotify: The Colin and Samir Show: Um dos podcasts mais consistentes sobre creator economy, bastidores da influência e modelos de negócio de criadores que viraram empresas. Conversas profundas, histórias reais e análises que antecipam tendências antes de chegarem ao mainstream. Um ótimo ponto de partida para quem quer pensar o creator como estúdio, marca e estratégia.
