Análise

O repórter que escreve

Por Lucas Abreu

17/02/2025 17h31

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Nessa reportagem especial em homenagem ao Dia do Repórter, o Nosso Meio destaca os repórteres que trabalham fora das telas, digitando palavras que informam

Quando se pensa na figura de um repórter, a imagem que brota na cabeça do cidadão comum é a imagem do jornalista em frente a uma câmera, segurando um microfone na mão para repassar informações em tempo real. Em outras palavras, o que vem a mente do cidadão comum é a imagem do repórter criada pela televisão. Mas será que o repórter só passou a existir graças a televisão?

Os aparelhos de televisão foram introduzidos a humanidade no final da década de 1920, na Europa. Entretanto, eles só foram ficar realmente populares após o fim da Segunda Guerra Mundial, tornando-se um bem de consumo. Na mesma época, surgiram os primeiros jornais televisionados, que evoluíram e se popularizaram nas décadas seguintes da segunda metade do século XX.

Por outro lado, o termo repórter surgiu na primeira do Século XVIII, na Inglaterra. Seu radical vem do francês medieval reporteour, que significa narrador, e a raiz vem do verbo latino portare, que pode ser interpretado como “trazer (informação) do porto”. A palavra foi convencionada para definir informante e, aos poucos, passou a definir o jornalista que recolhe as notícias para transformá-las em matéria. E, em uma época onde nem televisão e nem rádio existiam, isso era feito através da escrita. Não só era, como ainda é.

O repórter que escreve ainda existe e está presente nas redações dos jornais, redigindo matérias para os portais online ou para as páginas dos impressos. Kleber Carvalho, Raquel Aquino e Paulo Roberto Maciel são exemplos de profissionais enquadrados nesta categoria e concordam entre si quando o assunto é serem reconhecidos como tais pelo olhar social.

“Muitas vezes, por eu ser um repórter que escreve, eu já entrevistei várias pessoas e ela sempre perguntam: ‘em que canal vai passar’ e aí quando eu explico para elas que é algo para o portal ou para o impresso, eu consigo notar que existe uma certa frustração por parte da fonte. Isso é algo comum que a gente lida sempre”, relata Kleber.

“As vezes, até a minha família esquece que eu sou repórter por eu não aparecer na TV. Trabalhar com jornalismo fora das telas pode parecer invisível para quem está de fora, mas é válido lembrar que somos uma grande equipe, igualmente. O jornalismo online é o mais rápido em entregar notícias urgente, quase como um ao vivo. Da mesma forma que ocorre com o jornalismo da TV, os processos para que uma notícia chegue a até o público nos formatos escritos são os mesmos”, complementa Raquel

“Eu já ouvi de um jornalista de TV que nós que trabalhamos com o portal de notícias somos ‘jornalistas preguiçosos’, porque nós não saíamos pra rua. E isso me fez enxergar um estigma que muita gente tem com os repórteres, porque o primeiro contato que elas tem com o jornalismo é pela televisão. As pessoas eram e ainda são influenciadas por esse contato com o audiovisual. Mas é importante que a gente bata na tecla que o jornalismo começou no impresso e depois foi importado para outros tipos de comunicação, e que a modernidade permite que esse repórter que fica na redação seja capaz de produzir sem precisar ir a campo. Uma das maiores audiências do jornal que eu trabalho, por exemplo, é o portal. E ali nas redações, no dito backstage, é onde estão as pessoas que também fazem o jornalismo acontecer”, finaliza Paulo.

O que faz um bom repórter que escreve?

No caso de um repórter que escreve, suas funções são praticamente idênticas a de um Repórter de Telas ou de Vias Sonoras. Eles recolhem informações, montam pautas, checam dados, falam com fontes, escrevem matérias, etc. Todos esses processos podem ser resumidos em uma única palavra: apuração. Kleber, Raquel e Paulo concordam entre si, ao reconhecerem que essa seja a fase mais importante para a construção de uma notícia. Afinal, uma apuração bem feita, além de ser capaz de transformar uma pauta simples em um assunto rico, também é um atestado de responsabilidade.

“Eu acho que a principal diferença entre o jornalismo e uma página de fofocas é a apuração. Em alguns casos, nós falamos exatamente as mesmas coisas, mas o que diferencia a gente é a qualidade da informações que a gente leva ao público, e que a gente só obtém por meio da apuração”, pontua Raquel.

Lidar com informação é como caminhar em uma corda bamba. O repórter, como emissor, precisa ter bastante cuidado onde pisa, para que a informação chegue ao receptor de forma clara e responsável. Um único deslize é capaz de acabar com a reputação de um indivíduo, como também do próprio repórter que produziu a matéria divulgada. E em uma época de pós-verdade, onde as fake news são encontradas em cada esquina e disseminadas de forma rápida, cuidado nunca é demais.

“Eu acho que a gente sempre tem que se respaldar na pergunta: ‘e se o que eu noticiei der um problema muito grande, o que eu vou fazer?’, eu acho que isso norteia a gente na hora de buscar informações com as fontes oficiais ou em provas concretas do que do ocorreu. No caso de uma denúncia, por exemplo, é procurar imagens, vídeos, e documentos, e buscar saber de quando essas provas são pra te dar respaldo. Como jornalista de portal, a dinâmica é muito mais rápida e as vezes você não tem muito tempo de apurar, mas a gente sempre confirma antes de noticiar pra não comprometer aquilo que está sendo veiculado e é importante pras pessoas saberem”, avalia Kleber.

“O repórter não deve pular etapas ou criar atalhos, porque isso pode levar ele a cair em armadilhas. Na internet, as informações se cruzam e é muito fácil você se perder dentro dela e cair em fake news. Isso pode prejudicar até a sua credibilidade como profissional, como também a do veículo que você está representando. E isso é uma coisa delicada, porque não é só você e o jornal que perdem, o público também perde e pode ir atrás de mídias sensacionalistas sem nenhuma credibilidade”, complementa Paulo.

Além da responsabilidade com as informações, um bom repórter também pode ser definido pelos valores humanos que carrega. A inquietação e a teimosia, vistos como defeitos, se transformam em qualidades no jornalismo.

“Todos os jornalistas precisam ser inquietos e teimosos até ter certeza de que o que está sendo transmitido é verdade. Não existe esse papo de ‘minha verdade’ no jornalismo, precisamos ser transparentes e honestos. Costumo pensar que somos como cientistas da informação, não dá para errar o resultado que vai ser apresentado”, afirma Raquel.

Com coragem, é possível transformar uma realidade. Mas nada disso é válido sem a empatia para gerar conexões verdadeiras e uma escuta ativa.

“Eu trabalho como repórter de Cidades e, por consequência, eu acabo cobrindo muitas tragédias. Nesses momentos, ter empatia é fundamental. Você precisa entender que, por mais que tenha alguém buzinando no seu ouvido, pedindo para você trazer informações uma mãe que tá aos prantos porque perdeu uma filha num acidente não é fonte. Além disso, não cabe a gente também atribuir a uma pessoa se ela é culpada ou inocente em um caso policial, por exemplo, isso é um dever da justiça, não nosso”, enfatiza Kleber.

“Eu acredito que todo bom repórter precisa ser um bom ouvinte e ter empatia. Sem isso você não consegue fazer muita coisa, porque se você não é um bom ouvinte, você não sabe entrevistar. Entrevistar vai além de só perguntar. Se você não ouvir o que a pessoa está te repassando, você pode muito bem deixar uma informação passar e entregar um texto pobre. A gente tem que colocar nosso coração nas matérias e dar o peso certo pras histórias que estão sendo compartilhadas conosco”, pontua Paulo.