Conforme revelado pelo Censo Agência 2024, pesquisa realizada pela Operand para mapear a gestão e o cenário do mercado de agências de publicidade brasileiras, 91% dos líderes dessas instituições utilizam ferramentas de inteligência artificial em seus processos. Um exemplo recente foi a campanha do Banco do Nordeste, que uniu os cantores Dominguinhos (já falecido) e Lucy Alves em um filme publicitário.
Além disso, segundo pesquisa recente da SimBis publicada em fevereiro de 2025, 58,62% dos consumidores afirmaram perceber claramente o uso de IA em suas interações com marcas. Os exemplos mais citados foram atendimento automatizado, recomendações e anúncios personalizados.
“A inteligência artificial não é apenas uma ferramenta, mas uma mudança estrutural na forma como se pensa, cria e mede comunicação. Estamos evoluindo nossos próprios sistemas para que a IA seja usada para ampliar a capacidade das pessoas, e não para substituí-las. O resultado são entregas de maior qualidade, realizadas com mais velocidade e visão de contexto”, pontua Hugo Lopes, fundador e CEO da agência Rock Digital.
Apesar dos benefícios para a produtividade e estratégia, o uso de Inteligência Artificial por parte das empresas e agências de publicidade também levanta debates sobre legislação e uso ético das ferramentas. Afinal, até que ponto o uso de IA não apresenta riscos para os direitos autorais e ao tratamento responsável dos dados fornecidos pelos clientes?
Uso de Dados
Complementar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) o PL 2338/2023, aprovado recentemente pelo Senado, estabelecerá um marco regulatório que impactará significativamente a publicidade digital, exigindo que anunciantes e plataformas implementem mecanismos de transparência sobre o uso de sistemas de IA em segmentação de audiências, personalização de conteúdo e tomada de decisão automatizada em leilões programáticos, além de criar obrigações de conformidade relacionadas ao tratamento de dados pessoais e à prevenção de discriminação algorítmica, particularmente relevante em publicidade direcionada.
“Na prática, isso exigirá uma revisão estrutural dos modelos de negócio em publicidade programática e produção automatizada de conteúdo, incluindo investimentos em compliance, auditoria de algoritmos e renegociação de termos com fornecedores de tecnologia”, afirma Ricardo Maia, sócio-fundador da RM advogados e especialista em Direito Digital, Proteção de Dados e Inteligência Artificial.
Segundo Ricardo, a “era da IA, principalmente na publicidade digital, exige um novo patamar de responsabilidade e clareza na relação com o consumidor”. Entre os pontos listados, o advogado destaca que a transparência das informações, o uso de dados com consentimento dos usuários, a prestação de contas éticas, o respeito aos direitos dos usuários e a atualização de políticas de privacidade são fundamentais para cumprir com as obrigações da legislação, mas também para garantir o bom relacionamento entre quem produz e quem consome.
Ricardo também afirma que as responsabilidades legais do tratamento de dados devem ser “frequentemente compartilhadas” entre as agências (responsáveis pela produção ética dos conteúdos), anunciantes (responsáveis pela conformidade das campanhas) e fornecedores das tecnologias (responsáveis pela aderência às normas de proteção de dados e regulamentação de IA).
“A chave está em contratos claros que definem as obrigações e responsabilidades de cada parte envolvida na cadeia de produção. Minha recomendação é incluir cláusulas contratuais que tratam desse tema, assinar acordos de processamento de dados (DPA – Data Processing Agreement), que detalhem as obrigações de cada parte em relação à LGPD e outras regulamentações de IA. Além disso, é interessante considerar a contratação de seguro de responsabilidade civil para cobertura de riscos relacionados ao uso de IA”, ressalta o advogado.
Direitos autorais
Se for sancionado, o PL 2338/2023 também deve fortalecer os direitos autorais, abrangendo criadores de conteúdo, fotógrafos e ilustradores, ao proteger suas obras contra o uso não autorizado no treinamento de modelos generativos aplicados na criação de anúncios. A norma poderá exigir licenciamento ou compensação, ao mesmo tempo em que estabelece responsabilidades compartilhadas entre plataformas publicitárias e anunciantes, obrigando-os a verificar o conteúdo gerado por IA e garantir conformidade com as normas de proteção ao consumidor.
Na maioria dos países, incluindo o Brasil, o conteúdo gerado exclusivamente por IA não é automaticamente protegido por direitos autorais, pois a legislação geralmente exige um elemento de “criação humana” ou “originalidade”. Isso significa que, se uma imagem é gerada sem intervenção criativa humana substancial, ela pode não ter um titular de direitos autorais claro. Se a IA for utilizada como ferramenta para auxiliar na criação de uma obra por um ser humano, o conteúdo pode ser protegido, mas a autoria recai sobre o criador humano.
“Acreditamos que o futuro da criação com IA depende de um equilíbrio entre liberdade criativa e responsabilidade legal. Trabalhamos com bancos de prompts e repositórios próprios, garantindo autoria contextual e minimizando riscos legais. Nossa equipe acompanha de perto as discussões sobre direitos de imagem e copyright no uso de modelos generativos, tanto no Brasil quanto em outros mercados”, relata Hugo Lopes.
“Como recomendação, podemos sugerir que a empresa utilize apenas dados e conteúdos licenciados ou de domínio público para o treinamento de modelos de IA e para a geração de conteúdo publicitário. Também é interessante documentar a origem de todos os materiais usados para treinar a IA e para criar cada peça publicitária, incluindo os prompts no processo de geração”, complementa Ricardo Maia.
Os executivos também concordam que implementar um programa de compliance robusto para IA e proteção de dados – com políticas claras e treinamentos regulares para equipes de marketing, produção de conteúdo e TI – é fundamental para evitar medidas legais como multas, advertências e ações judiciais, como também possíveis danos reputacionais advindos do mau uso da IA.
“A adaptação proativa a este novo cenário regulatório não é apenas uma obrigação legal, mas uma oportunidade estratégica para empresas de publicidade se destacarem, construindo uma reputação de responsabilidade, transparência e respeito ao consumidor na era da IA”, finaliza Ricardo.
