Economia

Relembre a trajetória de Abilio Diniz, mais importante empresário brasileiro do varejo

Por Victoria Lima

19/02/2024 09h08

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Abilio, que morreu neste domingo (18), aos 87 anos, era um líder ousado, e um dos homens mais ricos do país

O empresário Abilio Diniz morreu neste domingo (18), aos 87 anos, em São Paulo. Abilio estava internado no Hospital Albert Einstein, com um quadro de pneumonia. O empresário começou a passar mal durante uma viagem aos Estados Unidos e voltou ao Brasil às pressas.

“É com extremo pesar que a família Diniz informa o falecimento de Abilio Diniz aos 87 anos neste domingo, 18 de fevereiro de 2024, vítima de insuficiência respiratória em função de uma pneumonite. O empresário deixa cinco filhos, esposa, netos e bisnetos, e irá ao encontro do seu filho João Paulo, falecido em 2022. Desde já, a família agradece a todas as mensagens de apoio e carinho”, diz a nota da família.

Abilio dos Santos Diniz nasceu em 28 de dezembro de 1936 em uma casa da rua Vergueiro, no bairro do Paraíso, o primeiro dos seis filhos de dona Floripes Pires e seu Valentim, um imigrante português que chegara ao Brasil em 1929.

Com 12 anos, Abílio começou a trabalhar na doceria do pai, batizada com o nome do cartão postal. Em 1959, ao se formar em Administração de Empresas na FGV, Valentim o convidou para abrir um supermercado.Investiu em muitas frentes: Lançou o primeiro hipermercado, o primeiro supermercado em um shopping center, as primeiras farmácias dentro de lojas, e criou a primeira ouvidoria do varejo. 

Abilio Diniz construiu um dos maiores grupos varejistas do Brasil, o Grupo Pão de Açúcar (GPA), e foi um dos homens mais ricos do país, enfrentando crises econômicas, disputas familiares, a chegada de concorrentes estrangeiros e até um sequestro. 

“Não existe fórmula secreta. Somente a organização e a disciplina permitem que uma pessoa desempenhe todos os seus papéis e dê conta de todas as suas atividades de forma equilibrada e harmoniosa”.

Para Abilio, uma das coisas mais importantes para a rede era a localização das lojas. Por isso, para definir a abertura de um ponto, ele gastava muita sola de sapato – e combustível de avião – para conhecer pessoalmente as regiões brasileiras, entendendo o hábito dos pedestres e o fluxo de veículos.

Outro fator importante era a formação de seus funcionários. Assim, ainda na década de 1970, Abilio criou um dos primeiros programas de trainee do Brasil.

A expansão do Pão de Açúcar ganhou força na década de 1970, quando houve a aquisição primeiro da rede Eletroradiobraz, na época a maior rede de eletrodomésticos e eletroeletrônicos do país, e depois com a criação do Jumbo, um dos pioneiros na introdução do conceito de hipermercado. A companhia realizou a aquisição também das redes de supermercados Superbom, Peg-pag e Mercantil.

“As pessoas podem copiar tudo o que a gente faz, mas não o que a gente é.”

Já nos anos 1980, Abilio Diniz procurou diversificar as áreas de atuação, incorporando a Sandiz, uma loja de departamentos, as mercearias de desconto Minibox e a Peg & Faça, que oferecia produtos para bricolagem. Ao final da década, com desentendimentos sobre os rumos do Pão de Açúcar, a decisão foi focar no setor de varejo e vender os ativos não-relacionados que vinham trazendo resultados abaixo da expectativa. As lojas Jumbo foram fechadas (mais tarde se transformaram em unidades do Extra) e o grupo passou por uma reestruturação que levou ao surgimento da Companhia de Distribuição Brasileira (CBD).

Abilio Diniz assumiu a presidência do Pão de Açúcar em 1990 e três anos depois tornou-se acionista majoritário, com seus filhos Ana Maria Diniz e João Paulo Diniz atuando no negócio. Foi nessa época que o grupo quase foi à falência devido a disputas familiares que vinham desde os anos 80 e o contexto econômico nacional complicado. Para não quebrar, Abilio ordenou cortes de custo, mandou fechar lojas e demitiu muitos funcionários.

Acordo com o Casino

A rápida expansão do Pão de Açúcar esbarrou em dificuldades financeiras e na busca por investimentos, Abilio Diniz fechou um acordo com o Grupo Casino, grupo de varejo francês voltado para o mercado de massa. A aquisição minoritária em 1999 deu fôlego ao Pão de Açúcar para prosseguir em suas aquisições, que incluíram Sendas e Sé.

Abilio assumiu a presidência do Conselho de Administração em 2003, abrindo espaço para o primeiro presidente fora da família Diniz, Augusto Marques da Cruz Filho. A partir daí, executivos ocupariam a cadeira.

“Uns sonham o sucesso, nós acordamos cedo e trabalhamos duro para consegui-lo.”

Já em 2005, foi criada uma nova holding e o controle do Grupo Pão de Açúcar passou a ser de 50% para a família Diniz e os outros 50% para o Casino. Pelo acordo com o Casino, Abilio Diniz permaneceria na presidência do Pão de Açúcar mesmo depois da transferência do controle do grupo brasileiro para os franceses. Uma cláusula estipulava que ele deixaria o cargo em 2012, quando então a Cassino seria acionista majoritária (em 2005, a empresa já havia elevado sua participação de 25% para 34%).

Nos anos seguintes, o grupo começa a trabalhar um novo modelo de loja, começando pelo Extra Perto, um minimercado muito parecido com os da rede Casino na Europa. Tem início a era do varejo de conveniência, com pequenas unidades bem distribuídas que passaram a ser copiadas pelo Carrefour e tantas outras redes.

Abrindo outra frente que também se tornaria tendência, o GPA se associou ao Assaí Atacadista, ingressando no chamado mercado do “atacarejo”, lojas que vendem com preços mais baixos em grande quantidade e acabam suprindo os pequenos comerciantes e restaurantes.

“Eu nunca me preocupei com o legado. Eu gosto do aqui e agora. Pensar no que eu vou deixar? Eu quero saber o que estou dando agora!” 

A disputa pelo controle do Pão de Açúcar estourou em 2011, quando Abilio Diniz tentou romper o acordo com o Casino. Ele chegou a propor uma fusão com o Carrefour, o grande rival do Casino na Europa, e procurou autoridades do governo federal para levar a iniciativa adiante. Segundo o empresário contou à imprensa na época, a fusão entre os dois maiores grupos de distribuição brasileiros criaria um gigante do varejo no Brasil.

O fracasso da manobra levou o Casino a assumir o comando em 2012, um movimento que já havia sido anunciado desde 2006, quando o grupo francês comprou o controle. A disputa se estendeu aos tribunais, até que foi fechado um acordo e em 2013, Abilio deixou sua cadeira no conselho — uma cobrança do Casino, entre outras, desde que ele passou a acumular a presidência do conselho da BRF.

Em 2013, o Pão de Açúcar assumiu a sigla GPA como nome oficial. Em dois anos, o GPA — com o crescimento das redes Extra, Pão de Açúcar e Assaí — e o controle da Via Varejo, seria reconhecido como o maior do Brasil, com 2.100 lojas e mais de 160 mil funcionários. Já em 2021, o GPA vendeu mais de 70 lojas da marca Extra Hiper ao Assaí e deixou de operar no modelo de hipermercados no país.

Em 2022, Abilio Diniz e o Pão de Açúcar voltaram a ser notícia com os rumores de que ele poderia voltar a participar da empresa, mas não houve comunicado oficial do GPA. O mercado, por sua vez, , mais uma prova do prestígio do empresário.

Via Varejo

Com o Grupo Pão de Açúcar devidamente capitalizado e com sua capacidade como líder em alta, Abilio liderou a compra do Pontofrio em 2009 e, meses depois, anunciou uma joint venture com a Casas Bahia que deu origem à Via Varejo, criando o maior grupo de distribuição da América Latina.

O negócio, entretanto, seria reavaliado pela família Klein, da Casas Bahia, que chegou a dizer que os valores ficaram abaixo do real, já que o ponto forte da companhia estava justamente em sua capacidade de logística e grande número de unidades. O acordo passou por uma reavaliação das duas partes.

Com a saída de Abilio do GPA, o grupo manteve sua participação de 36% na Via Varejo até 2019, quando vendeu suas ações em leilão da B3, que atraiu a família Klein e um grupo de fundos coordenados pela XP Investimentos.

“Em vez de olhar pela janela e procurar o culpado, olhe para o espelho e procure ver onde errou. O que está de fora pode até ser muito importante, mas você não pode controlar” 

Carrefour

Após o fracasso da negociação entre o Pão de Açúcar e o Carrefour Brasil, Abilio Diniz tornou-se acionista da companhia no Brasil em 2014 através da Península Participações, family office da família Diniz. Hoje o Carrefour tem 150 mil funcionários e é o maior empregador privado do país.

Atualmente, ele possui cerca de 7% do capital do grupo francês e desde 2022 passou a ocupar a vice-presidência do Carrefour Brasil, o que lhe dá mais poder sobre decisões.

Inicialmente, Abilio ocupou uma cadeira no conselho de administração e nesse período, o Carrefour Brasil anunciou a compra da rede Big do Walmart em uma transação de R$ 7,5 bilhões em 2021, negócio que foi concluído somente no ano seguinte. 

“Na crise, existem aqueles que se abatem, sentam no chão e choram; e existem aqueles que fabricam e vendem lenços. Nós somos fabricantes de lenços”

Para Abilio Diniz, o conhecimento do mercado local e a nova posição podem colocar a empresa em uma situação ainda mais vantajosa. Entre as mudanças estão a vinda de executivos franceses para o Brasil para conhecer mais de perto as características do mercado brasileiro. Além disso, Abilio ficou responsável também pelo comitê de Cultura e Pessoas.

Abilio deixou o Pão de Açúcar com quase 80 anos mas, em vez de se aposentar e curtir a vida, o pai de seis filhos comprou uma parcela relevante no Carrefour – tanto na filial brasileira, quanto no global – e embarcou no desafio de tocar a BRF, empresa na qual chegou a possuir quase R$ 2 bilhões investidos.

Vida pessoal 

Religioso e espiritual, Abilio também passou a investir na disseminação de práticas saudáveis de vida, com o lançamento do Plenæ, uma plataforma de conteúdo sobre qualidade de vida e longevidade, além de escrever um best-seller sobre o assunto e gravar lives e podcast relacionados ao bem estar.

Durante anos, o Pão de Açúcar patrocinou atletas e eventos esportivos, mas deu um passo maior ao inaugurar o Núcleo de Alto Rendimento (NAR GPA), em São Paulo, um centro que incorpora tecnologia, análises e estudos com base em resultados para ajudar atletas a atingirem seu potencial. 

O projeto foi liderado por Abilio e pelo filho João Paulo Diniz, que como ele também se dedicava a esportes e a busca por uma vida saudável. João Paulo mantinha uma empresa de investimentos nos setores de academias, restaurantes, tecnologia, imobiliário e de mobilidade. Ele morreu em julho de 2022.

São-paulino fervoroso e apaixonado por esportes, Abilio manteve até o fim da vida uma rotina rígida de exercícios e guardava com carinho seus prêmios de uma série de modalidades nas quais competiu profissionalmente, como automobilismo, polo e motonáutica.

Vida de escritor

Em 2004, Abilio Diniz lançou seu primeiro best-seller, “Caminhos e Escolhas: O equilíbrio para uma vida mais feliz”. No livro, ele fala sobre a busca pelo equilíbrio na vida, qualidade de vida e escolhas saudáveis na alimentação e no estilo de vida.

De acordo com o empresário, o equilíbrio depende de 6 fatores: atividade física, alimentação, controle do estresse, amor, autoconhecimento, fé e espiritualidade. Esses elementos, alinhados à disciplina, é que fazem com que uma pessoa possa buscar sua melhor versão.

O segundo livro, “Novos caminhos, novas escolhas”, trata de compartilhar os últimos 12 anos que considera os mais felizes de sua vida. Foi publicado em 2016 e também ficou na lista dos mais vendidos no país.

O terceiro é “Reflexão, equilíbrio e paz”, que é uma espécie de manual para aplicar disciplina, equilíbrio e espiritualidade.