15ª edição

Matéria de Capa | Reputação: o que move a percepção dos consumidores em relação às marcas

Por Redação

09/03/2025 16h24

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Nos últimos dois anos, 47% dos brasileiros deixaram de comprar produtos ou serviços de empresas que acabaram envolvidas em situações de desrespeito ou discriminação

Entender o comportamento do consumidor e o que forma a opinião dele é um caminho inevitável para marcas que precisam se posicionar em um mercado dinâmico no qual as informações se propagam com velocidade e circulam em múltiplos canais. Neste contexto,  a reputação é um dos principais ativos do negócio, com a confiança do consumidor não se constituindo apenas com produtos ou serviços de qualidade, mas também com transparência, propósito e coerência nas ações. 

De acordo com a pesquisa “Reputação das marcas: o que move o comportamento dos brasileiros”, feita pela Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, empresa da FSB Holding, nos últimos dois anos 47% dos brasileiros deixaram de comprar produtos ou serviços de empresas que acabaram envolvidas em situações de desrespeito ou discriminação, incluindo racismo, homofobia, preconceitos e desrespeito com seus funcionários. O cenário se intensifica ainda mais quando se relaciona com assuntos de compliance ou posicionamento político, com 59% alegando boicote a marcas. 

Com as redes sociais, a preocupação das empresas ganha um novo patamar, visto que uma experiência negativa de um consumidor pode gerar uma cadeia de comentários ruins online, amplificando a propagação e alcance de mais pessoas. A pesquisa da Nexus, por exemplo, aponta que 2 a cada 10 brasileiros, além de “cancelar” uma marca, fazem críticas negativas nas redes sociais, contribuindo para a propagação e alcance de outras pessoas, uma vez que 66% dos brasileiros já foram expostos com alguma frequência a postagens ou comentários estimulando boicote a produtos ou serviços. Ou seja, quanto mais exposto, maiores também são as chances de boicotes. 

O que impacta a reputação de uma marca

A reputação de uma marca pode ser influenciada por diversos fatores positivos e negativos, variando também de acordo com o setor de atuação. De acordo com a pesquisa, os atributos que mais ajudam a promover a reputação da marca são selo de qualidade (29%), impactos na economia do país (26%) e ESG (19%) — sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança). 

O estudo da Nexus revela ainda que, na percepção do consumidor brasileiro, o que mais influencia para que uma empresa seja vista de forma negativa são também aspectos relacionados ao ESG, seguido de falta de qualidade (21%) e impactos na economia (17%). 

Empresas com melhor reputação no Brasil

Ainda que seja um assunto muitas vezes visto como delicado, existem empresas que se destacam por suas reputações no Brasil. A 11ª edição do ranking Reputação Empresarial no Brasil realizado pela Merco, empresa de pesquisa e monitoramento reputacional, que realiza estudos de reputação e publica rankings de referência na América Latina, Espanha, Portugal e Itália, mostra que, entre as 100 melhores empresas de 2024, a Natura ocupa a primeira posição, seguida seguida pelo Mercado Livre — que saiu da quinta para a segunda posição — e a Ambev, que manteve sua colocação em terceiro lugar. 

O top 10 do levantamento conta com a presença de Grupo Boticário (4º), Itaú Unibanco (5º), Google (6º), Nestlé (7º), Toyota (8º), Magazine Luiza (9º) e Nubank (10º). Entre as 100 empresas estão também L’Oréal, Colgate-Palmolive, Mastercard, Diageo, Dengo, Grupo Bimbo, Kimberly-Clark, Vibra Energia, entre outras. 

O estudo foi realizado no Brasil entre abril e dezembro de 2024, com 15.341 entrevistas. Foram consultados diretores de grandes empresas; professores universitários; jornalistas de negócios; analistas financeiros; associações de consumidores; sindicatos; representantes de ONGs; membros do governo; gerentes de mídias sociais e 4.467 consumidores (Merco Sociedade). A pesquisa também considerou 9.726 entrevistas do ranking Merco Talento 2024, que traz a opinião de funcionários, especialistas em RH e estudantes.

O que as crises ensinam sobre o valor da marca 

As marcas estão suscetíveis a enfrentarem situações desafiadoras, contudo, em momentos de instabilidade, a forma como uma empresa reage pode fortalecer ou abalar sua reputação. No início de 2025, uma polêmica envolvendo a marca Tânia Bulhões — marca brasileira de luxo especializada em perfumaria, decoração e artigos para a casa — movimentou as redes sociais. 

Em uma viagem à Tailândia, uma influenciadora digital compartilhou com o público o momento em que estava tomando um café em uma xícara idêntica a que ela possuía em casa. A diferença é que apenas uma delas tinha a logo da marca brasileira, até então conhecida por designs exclusivos e autorais, e tinha custado R$ 210. Após a publicação, houve uma divisão entre os defensores e os críticos. De um lado, pessoas alegaram que toda marca embute no preço a curadoria e a experiência de compra, do outro o questionamento à ética e originalidade dos produtos.

A marca se pronunciou duas semanas depois no Instagram, falando sobre processo criativo, reprodução de coleções sem autorização e descumprimento dos acordos contratuais por parte do parceiro responsável por produzir as porcelanas. O comunicado acentuou a polêmica, com especialistas indicando falta de transparência e agilidade. A empresa mudou de tom, fez uma nova postagem em tom de agradecimento aos consumidores que trouxeram a questão à tona e publicou um vídeo no qual o CEO da empresa, Virgílio Bulhões, reforça “de forma pessoal e direta” a história e integridade da marca, além de explicar com detalhes o processo de produção e pedir desculpas aos clientes que se sentiram lesados. O pronunciamento veio para buscar mais conexão com o público em meio às críticas. 

Se por um lado a imagem do representante da marca gera mais proximidade com os consumidores, esta personificação também pode gerar situações de crise. A pesquisa da Nexus sobre reputação de marcas aponta que 6 em cada 10 pessoas deixaram de comprar algum produto por terem ficado incomodadas com posicionamentos das empresas ou de seus executivos. 

Este cenário está sendo percebido com a Tesla, empresa de carros elétricos. Enquanto as vendas dos veículos cresceram 37% na Europa, as vendas da empresa norte-americana tiveram uma queda de 45% em janeiro, comparado com o mesmo período do ano anterior. O motivo está sendo atribuído a Elon Musk, dono da Tesla. Os europeus fizeram um boicote à marca pela posição e participação política do empresário. De acordo com a Nexus, entre os motivos que os consumidores cancelam uma marca, 26% são movidos por ter executivos com visões políticas diferentes do consumidor. 

Ambos os exemplos mostram também o impacto das redes sociais na reputação das marcas, assim como a força que o meio traz para o “cancelamento”. Os dados da Nexus mostram ainda que o comportamento offline também tem um reflexo online: 40% dos brasileiros deixaram de seguir uma marca por causa de notícias negativas. Além disso, 24% praticaram algum dos três tipos de cancelamento digital apresentados: 18% escreveram avaliações negativas em sites, 13% compartilharam conteúdo negativo sobre alguma marca e 11% postaram esse tipo de conteúdo em suas redes.

Reputação é decisão

A construção da reputação de uma marca não acontece por acaso. Ela é resultado de escolhas estratégicas, posicionamentos claros e da forma como a empresa se comporta diante do público e do mercado. Em tempos de crise, essas decisões se tornam ainda mais evidentes, pois é justamente nesse contexto que os valores de uma marca são colocados à prova. Para empresas prestadoras de serviços essenciais esta decisão torna-se ainda mais relevante, uma vez que o serviço bem feito pode ser visto pelo consumidores apenas como uma obrigação. 

Para José Nunes Almeida,  presidente da Enel Distribuição Ceará, ser transparente é o melhor caminho para ter uma reputação sólida. “Uma transparência com uma comunicação proativa e baseada em evidências. Dessa forma, fazendo chegar aos clientes e à sociedade os desafios e possíveis obstáculos enfrentados pela empresa, como, por exemplo, quando operamos em regime de contingência, com agressividades climáticas que impactam a rede elétrica. A transparência é sempre uma aliada na mitigação dos impactos de credibilidade e na redução dos danos à reputação da empresa”, pontua. 

Ele também destaca que a agilidade e a eficiência são indispensáveis. “Em um momento de intensa visibilidade midiática, especialmente com diferentes perfis de clientes, o que a população mais requer é celeridade, rapidez e confiabilidade nas respostas. Esse é o nosso grande desafio, como prestadora de serviços essenciais. Nossa atuação é pautada pelo compromisso que temos com nossos clientes, com a melhoria contínua dos nossos serviços e com proximidade e respeito à população”, explica. 

Outra empresa que também se posiciona neste contexto é a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), que alcançou o segundo lugar na Avaliação da Transparência referente ao ano de 2023, divulgada pela Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE) em janeiro. De acordo com o ranking, a companhia obteve a nota de 98,08%. 

“Esses resultados nos colocam, como uma empresa preocupada em disponibilizar informação e ser transparente em relação às nossas ações. Então, a  preocupação da Cagece é atender bem o seu cliente, em termos também de atendimento a todos os stakeholders, inclusive a outros interessados, como os municípios e os órgãos reguladores, demonstrando como a Cagece vem evoluindo ao longo do tempo, expandindo e crescendo do ponto de vista de atuação”, explica Michele Aguiar, gerente de riscos, conformidade e governança da companhia.

Cagece e Enel compartilham estratégias de comunicação em momentos sensíveis 

Nosso Meio: Como a empresa se prepara para comunicar pontos sensíveis, como falta de abastecimento ou problemas operacionais, de maneira clara e que minimize danos?

Tatiana Brígido (gerente de comunicação da Cagece): Em situações de paradas prolongadas ou intervenções que impactam um grande número de pessoas, promovemos reuniões antecipadas com os setores envolvidos a fim de entender melhor a ação. Após esse entendimento prévio, o setor de comunicação se reúne para elaborar um plano de ação e planejar uma comunicação eficaz, garantindo que as informações cheguem de forma clara a todos os impactados. Dessa maneira, ao adotarmos uma comunicação proativa e precisa, conseguimos minimizar os impactos sobre a população. 

José Nunes Almeida (presidente da Enel Distribuição Ceará): A Enel tem um planejamento prévio rotulado por códigos de operações que definem ações a serem implementadas, em situações adversas a serem enfrentadas. Esse planejamento prévio agiliza a reação da empresa e facilita a comunicação. 

Nosso Meio: O que vocês aprenderam em experiências passadas de comunicação em crises? Há alguma estratégia que se mostrou mais eficaz na reputação da empresa?

Tatiana Brígido (gerente de comunicação da Cagece): A transparência, clareza e assertividade são sempre as melhores armas para combater uma crise e refazer a reputação da empresa. Investir em uma comunicação eficaz é essencial para passar por crises e minimizar seus impactos negativos.

José Nunes Almeida (presidente da Enel Distribuição Ceará): A presença em momentos críticos, quando o serviço está sendo impactado, é fundamental. A transparência e a comunicação direta, especialmente por meio dos veículos de comunicação e das redes sociais da empresa, são estratégias essenciais para manter o público informado. Compartilhar com os clientes os desafios que estamos enfrentando, como a necessidade de atuar em condições adversas para restabelecer o serviço, ajuda a construir uma relação de confiança, mesmo nos cenários mais desafiadores.