Apesar da origem humilde e da trajetória construída com muito trabalho – de camelô a empresário –, Silvio Santos, filho de imigrantes, pai grego e mãe turca, é daquelas pessoas que estreiam na vida e que tiveram a determinação, a força e a coragem de seguir seu desejo. Queria ser comunicador e o fez com maestria e sensibilidade. Queria ser dono e foi. Uma mistura de inteligência, talento, carisma, determinação e sensibilidade explicam criações, programas e expressões que são parte do entendimento do que é a televisão brasileira e o do que é ser brasileiro.
Muitos foram os programas criados por ele na televisão brasileira, talvez um dos mais expressivos da nossa condição precária tenha sido “Portas da Esperança”, um caminho possível de concretização dos nossos quereres, pela simples possibilidade de ter um eletrodoméstico, um brinquedo, de conhecer uma celebridade ou a tão sonhada casa própria. Outro na mesma linha, mas ainda mais potente, “Topa Tudo por Dinheiro”, contexto para a pergunta emblemática “Quem quer dinheiro?”- expressão simbólica da condição social privilegiada e de poder que o dinheiro pode proporcionar, concretizada na transformação de dinheiro em veículo – aviãozinho – “portador” da autonomia e da liberdade desejada pelos excluídos, mas esperançosos.
Sabia como ninguém os valores, as importâncias e os quereres do brasileiro, “É namoro ou amizade? ”. Brilhou por décadas quando o politicamente correto não existia, dando espaço para diversidade de corpos e comportamentos, como na composição do time de jurados do seu programa “Show de Calouros”: Rogéria, Elke Maravilha, Sergio Malandro, Aracy de Almeida, Flor, Nelson Rubens, Décio Piccinini, Wagner Montes, Leão lobo, Pedro de Lara. Inesquecíveis são também Pablo, intérprete e dublador psicodélico do programa “Qual é a música?”, Lombardi, locutor emblemático, Roque, seu eterno assistente de palco, Jassa, o lendário cabeleireiro, e as milhares de “colegas de trabalho”, parceiras nas produções musicais (expresso nas capas dos discos que lançou) e responsáveis pela animação e dinâmicas dos seus programas de auditório.
Ousado e visionário, trouxe uma criança de 5 anos para ser apresentadora de um programa ao vivo, a talentosa Maísa, que hoje atesta: “O Silvio deu asas para o meu sonho”. Toda essa potência realizadora vinha acompanhada de comportamentos ambíguos passíveis de questionamentos de natureza política, ideológica, ética e de rigidez e apego às estritas lógicas do capital, como o imbróglio, inclusive jurídico, que travou por anos com o saudoso Zé Celso, por discordar de seus planos de construção de edificações em terreno ao lado do Teatro Imprensa, de sua propriedade. Ambiguidade presente na decisão de passar a ser Silvio Santos, nome bem brasileiro e de matriz católica, e “deixar” seu nome de origem grega Senor Abravanel, distante das câmeras, bem como sua identidade judaica.
Silvio desdenhava dos parâmetros estéticos elitistas – ainda que fosse um homem rico há décadas – ao mesmo tempo que exaltava a autenticidade barroca presente nas expressões de seu amado auditório e de seus fãs, predominantemente mulheres. Era reflexo e refletor de cada um de nós. Literalmente era membro da nossa família ao entrar em nossas casas aos domingos pelas telas da TV e tomar parte desse tempo-espaço de imenso afeto e partilha, daí sua grande proximidade e familiaridade. Agora é hora de alegria, de tributo e do reavivar a memória, porque Silvio Santos permanece em nós, símbolo vivo de que o sonho e sua realização compensam.