Sobre Perrier, Starck e um consumo estetizado

Publicado em

06/12/2023 08h30

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Recentemente, para comemorar seu 160º aniversário, a Perrier, marca francesa de água, apresentou uma edição limitada de sua conhecida garrafa, assinada pelo designer Philippe Starck. A nova garrafa é apresentada no site oficial da empresa como “um verdadeiro objeto de arte […], o formato emblemático do frasco foi elevado com finas listras horizontais que coreografam a óptica e a luz, produzindo um efeito luminoso que combina perfeitamente com a energia ilimitada e a poesia capturadas em seu interior”.

Garrafa de vidro verde

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Sobre esta transformação na garrafa da Perrier, lembramos que a embalagem de um produto possui duas funções: uma de ordem prática e outra promocional.  A primeira função é proteger o conteúdo, ou seja, acondicionar algo de forma segura, sem riscos de quebras ou danos até a chegada ao usuário final, pensando em todas as etapas de transporte e distribuição. A segunda, que nos interessa particularmente ao refletir sobre a parceria Perrier-Starck, está relacionada à persuasão, ou seja, a embalagem deve atrair o possível consumidor ao ser exibida numa prateleira ou numa vitrine, chamando a atenção em meio a vários outros concorrentes.  

Neste sentido, além de diferenciar seu produto e atrair consumidores no ponto de venda, é importante destacar a promessa da marca de incorporar novos estímulos sensoriais a partir do tato e da visão, que se combinariam ao gosto no momento de sorver o líquido contido no frasco. Com isso, a embalagem, considerada tradicionalmente uma barreira de proteção entre o produto (conteúdo) e o usuário, torna-se ela mesma “o” objeto de desejo a ser consumido, num mundo esteticamente configurado, parte do chamado capitalismo artista, como o denomina o filósofo Gilles Lipovetsky. 

Ou seja, ocorre uma alteração de lógicas anteriormente consagradas não só em relação a uma embalagem, mas sobre o processo de estetização de um produto que parece o mais simples possível: a água. Elemento natural de sobrevivência humana, é símbolo de vida, essencialidade, e de uma necessidade fisiológica básica. Entretanto, ao notar a quantidade de marcas de água existentes no mercado, das mais variadas marcas, sabores, embalagens, materiais e preços, chegamos à conclusão de que há muito mais envolvido no seu consumo e, principalmente, nos significados associados a esta categoria. 

Concluímos que a estética por si tornou-se um objeto de consumo, incorporando-se a categorias antes compreendidas como indiferenciadas, “comoditizadas” e funcionais, e que agora precisam evoluir e propor experiências sensoriais mais complexas, a exemplo do que ocorre com uma marca centenária como a Perrier.

Sobre o autor:

Silvio Koiti Sato

Pesquisador-Doutor e Sócio-fundador da Casa Semio, possui experiência como executivo das áreas de Branding, Comunicação e Marketing, com passagens profissionais por agências e anunciantes.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.