Por Gabriel Bontempo, líder da área de vendas digitais do Beach Park
Nossas estratégias de negócio são assombradas pelo fantasma de um vendedor do século XIX. O funil de vendas, simbolizado pelo acrônimo AIDA (Atenção, Interesse, Desejo, Ação), foi uma ferramenta brilhante para a era da transação. Hoje, é uma bússola quebrada, que aponta obsessivamente para um norte que não existe mais: a venda como ponto final. Manter-se guiado por ela é um ato de miopia estratégica.
O funil é uma ferramenta para gerar uma única conversão. A economia moderna, no entanto, é construída sobre a recorrência e o relacionamento. Empresas que definem o futuro, como Amazon, Netflix e Spotify, não pensam em funis; elas constroem ecossistemas. O objetivo delas não é empurrar um cliente por uma série de etapas até uma compra. O objetivo é atraí-lo para um ciclo de engajamento perpétuo, onde cada interação alimenta a próxima. A compra não é o fim da jornada; é o início da coleta de dados para personalizar a próxima experiência.
Essa mudança de paradigma não é filosófica, é matemática. Relatórios da National Retail Federation (NRF) demonstram que clientes engajados em múltiplos canais — ou seja, que vivem dentro desse ecossistema — chegam a ter um Lifetime Value (LTV) 30% maior. Enquanto o funil otimiza para o valor da transação, o ecossistema otimiza para o valor do cliente ao longo do tempo. Insistir no funil é, literalmente, deixar dinheiro na mesa.
A tradução dessa lógica para qualquer negócio de serviço ou experiência exige a troca do funil linear por um ciclo de três fases:
1. A Pré-Experiência: A fase de aquisição e onboarding. O foco não é apenas “converter”, mas garantir uma entrada tão fluida e prazerosa que o cliente já perceba o valor do relacionamento que está por vir.
2. A Experiência Central: O momento da entrega do serviço ou do uso do produto. Este não é o “fundo do funil”. É o coração do ciclo, o principal momento para coletar dados comportamentais, remover atritos em tempo real e entregar um valor tão excepcional que a renovação ou a próxima compra se torne uma consequência lógica.
3. A Pós-Experiência: A fase onde o funil é totalmente cego. Aqui, a relação é aprofundada com base nos dados coletados. É o momento de provar que a empresa conhece seu cliente, antecipando necessidades e nutrindo a lealdade que garantirá o retorno ao início do ciclo.
A barreira para essa transformação, no entanto, não é tecnológica. É cultural e organizacional. Exige que as lideranças parem de medir o sucesso em relatórios de vendas mensais e comecem a pensar na arquitetura de relacionamentos de longo prazo. Exige a coragem de abandonar a gratificação instantânea da “conversão” em favor da construção de um ativo muito mais valioso: a lealdade do cliente.
A questão fundamental que todo líder deveria se fazer não é como otimizar as etapas do seu funil, mas se o funil em si não se tornou a maior barreira para o crescimento sustentável da sua empresa.