#Viralizou: a viralidade como valor notícia

Por Redação

19/11/2025 15h16

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Entre as notícias da COP30 e as imagens impressionantes do tornado no Paraná, um vídeo de um gatinho segurando a perna do seu tutor para que ele não saia de casa se destaca. Essa miscelânea — muito comum quando se passeia pelo feed do Instagram e se depara com a escolha algorítmica de notícias, fotos de amigos e vídeos recomendados — vem se tornando uma constante também nos próprios perfis de veículos jornalísticos. O caso acima, por exemplo, é do post “O gato ‘grude’ faz charme e não deixa tutor sair de casa” publicado no perfil do G1 na seção #Viralizou.

Do ponto de vista tradicional e à luz dos critérios de noticiabilidade, o fato em si possui baixíssima relevância: não há impacto claro na vida das pessoas, notoriedade, proximidade significativa ou novidade jornalística. No entanto, o novo ecossistema informacional moldado pelas plataformas digitais aponta para a inclusão de novos critérios na seleção do que será notícia. A pesquisadora Ariane Paiva, em sua tese de doutorado, indica a viralidade como um valor-notícia contextual: “no ciberjornalismo, a corrida por mais leitores, mais audiência, maior engajamento e participação tem caracterizado uma tendência pela eleição de acontecimentos com potencial de contágio e de resposta da audiência”.

Em uma análise do perfil do Metrópoles nas redes sociais, os pesquisadores Karolina Calado e Francisco Júnior também identificam o potencial de viralização como um novo valor que vem se consolidando. “Em vez de privilegiar critérios como apuração, veracidade, interesse público e profundidade, muitos conteúdos jornalísticos são reproduzidos sem checagem, priorizando o que é mais acessado ou compartilhado”, pontuam.

E essa aposta tem razão de ser do ponto de vista da performance: no caso do gatinho, o vídeo alcançou mais de 40 mil curtidas — um patamar relativamente alto se comparado ao padrão de outras publicações do G1 (que no mesmo dia variaram de 500 a 3 mil curtidas, com alguns posts chegando a 20 mil). Mas há uma diferença importante entre produzir conteúdo e republicar o conteúdo que deve ser destacada: muitos dos vídeos que circulam nas seções #Viralizou são reproduções diretas de material criado por usuários comuns. No post do gato, por exemplo, a legenda se limita a: “ #Viralizou – O criador de conteúdo Cezar Dienstmann registrou o drama diário pra tentar sair de casa: seu gato não aceita a ideia de vê-lo indo pra academia. Assim que ele calça o tênis, o pet se agarra e mia alto.  Por aí também é assim?”. A peça funciona como identificação e entretenimento, não como reportagem.

É relevante também destacar que não é de hoje que jornalismo e entretenimento se entrelaçam — seja nas formas de fazer reportagem, seja em produtos que visam capturar atenção. A disputa pela atenção do público sempre existiu nos mais diferentes suportes, e o público tende, cada vez mais, a preferir humor e celebridades. Dados de uma pesquisa realizada pelo Aláfia Lab, que será publicada neste mês, revelam que, no Instagram, brasileiros seguem mais influenciadores e páginas de humor do que meios de comunicação e jornalistas; e que perfis como o da Choquei têm maior aderência para consumo de notícias do que o de veículos tradicionais como o Estadão. Esses resultados ajudam a explicar porque portais e perfis jornalísticos apostam em conteúdo viral: é uma adaptação às preferências do público e às métricas que hoje definem alcance e valor.

Mas há outra camada nessa transformação: a própria lógica das plataformas digitais pautada na economia da atenção. Nessas plataformas, o valor está menos na informação em si do que na capacidade de reter o olhar e alimentar algoritmos que monetizam o tempo de tela. O modelo de negócio das grandes plataformas é, em essência, lucrar com conteúdo produzido pelos usuários — e os veículos jornalísticos acabam replicando essa dinâmica ao privilegiar e republicar conteúdos virais para engajamento rápido.

Diante disso, emergem também outros atores que se colocam como intermediários especializados: são startups que licenciam e profissionalizam a circulação desses vídeos. Empresas como a My Hood e a Dom Media têm aparecido como fornecedores frequentes desse material — seus perfis são marcados nas publicações dos veículos — e se posicionam como uma nova camada na cadeia de valor do conteúdo viral. A My Hood, por exemplo, é descrita pelos sócios como algo próximo de uma “Reuters 2.0”: “Não é uma empresa de entretenimento, não é agência de viral. É uma agência de notícias com conteúdo soft, cotidiano. Estamos criando uma comunidade de criadores”, dizem eles em uma entrevista ao Projeto Draft.

Essas startups facilitam o acesso a vídeos virais por meio de uma assinatura comercializada aos publishers. Os conteúdos ofertados aos veículos também não se limitam ao que já viralizou, mas ao que ainda pode viralizar de acordo com a análise da empresa. Ou seja, não há apenas a republicação de algo que o público já se interessou em outros espaços, mas é também uma aposta no que pode atrair essa atenção.

Além disso, esses intermediários também tentam oferecer um antídoto à dependência dos publishers sobre as big techs. Os sócios da My Hood, por exemplo, disseram que estão testando um feed vertical próprio para portais de notícias — uma tentativa de reproduzir a experiência das redes dentro dos sites dos publishers para reter a audiência. Em um dos portais testados, o tempo médio de permanência teria saltado de 1 minuto e 14 segundos para 6 minutos e 50 segundos, um ganho expressivo em termos de retenção e que pode funcionar como uma forma de contrapeso às plataformas.

Ou seja: a viralização deixa de ser apenas um fenômeno espontâneo e passa a operar como um valor-notícia. A escolha editorial de publicar vídeos virais mostra não só uma mudança de linguagem, mas também uma reconfiguração da economia simbólica do jornalismo — agora mediada por métricas de performance e empresas intermediárias que transformam criadores amadores em fornecedores de conteúdo licenciado.

Ao fim, o que está em disputa é mais do que a estética das redes ou a linguagem do entretenimento: é a redefinição das fronteiras do que entendemos por jornalismo em um ambiente governado por lógicas de plataforma. Se, de um lado, essas estratégias representam tentativas legítimas de reter audiência e diversificar modelos de negócio, de outro, colocam em xeque o próprio papel público do jornalismo, que passa a competir no mesmo terreno simbólico e econômico do conteúdo viral. A questão que se coloca é até que ponto essa adaptação garante a sustentabilidade do jornalismo.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.