Em um cenário em que quase metade dos consumidores brasileiros já boicotou marcas por questões éticas, a reputação corporativa deixou de ser um diferencial para se tornar um ativo essencial de negócio.
À frente de projetos estratégicos na FSB Holding, o sócio-controlador e líder da área pública, Renato Salles, compartilha sua visão sobre como a construção de credibilidade, propósito e coerência entre discurso e prática impacta diretamente o valor das empresas. Nesta entrevista à Visão Executiva, ele fala sobre o papel da comunicação na era da inteligência artificial, os novos riscos reputacionais e as tendências que devem guiar a gestão de imagem das organizações nos próximos anos.
NOSSO MEIO | Como a reputação corporativa se consolidou como um dos principais ativos intangíveis na tomada de decisão de investidores, clientes e parceiros de negócios?
Renato Salles: Um levantamento da Nexus, empresa de pesquisa e inteligência de dados da FSB Holding, realizado em 2024 mostrou que quase metade (47%) dos 2.006 consumidores brasileiros boicotou produtos de marcas envolvidas em episódios de desrespeito ou discriminação — como racismo, homofobia ou práticas abusivas com funcionários. Esse índice sobe para 59% quando somamos problemas de compliance ou posicionamentos políticos polêmicos.
Esse dado evidencia como a reputação se tornou determinante no resultado de empresas, líderes e organizações em todo o país. A forma como nos posicionamos e engajamos consumidores, clientes e parceiros é fundamental hoje para o sucesso do negócio.
Em um mundo hiperconectado, credibilidade e confiança impactam diretamente o valor de mercado e a competitividade: investidores buscam consistência em governança, ética, impacto social e ambiental; clientes querem marcas que reflitam seus valores e contribuam positivamente para a sociedade. No atual uso da inteligência artificial, o desafio é ainda maior: proteger a reputação de crises digitais, deepfakes e conteúdos manipulados tornou-se prioridade estratégica.
NOSSO MEIO | Em um cenário de alta exposição digital e polarização, que práticas de gestão de reputação se mostraram mais eficazes para atravessar crises e preservar a confiança do público?
Renato Salles: O ideal é sempre atuar de forma preventiva, com planejamento, consistência e construção reputacional. Mas, quando ocorre uma crise, mesmo em empresas consolidadas, três fatores são decisivos: velocidade de atuação, monitoramento em tempo real e transparência.
Além disso, é fundamental estruturar os casos de forma clara e bem definida para conectar genuinamente o público à marca. A comunicação deve ser precisa, direta e adaptada ao canal, seja mídia tradicional, seja digital, sempre consistente em todos os pontos de contato. A crise só se atravessa com clareza, coerência e proximidade.
NOSSO MEIO | De que forma a coerência entre discurso e prática impacta a construção de propósito e a credibilidade das organizações?
Renato Salles: É um dos pilares centrais da reputação. O discurso é a forma como comunicamos os valores, a missão e a visão do cliente, mas, se ele não se traduz em práticas cotidianas, principalmente em tempos de redes sociais, a credibilidade da organização é rapidamente colocada em xeque.
Não há storytelling sem storydoing. O público valoriza o propósito vivido, não apenas o declarado. Isso fica evidente. Quando discurso e prática estão alinhados, o impacto reputacional é duradouro e multiplicador.
NOSSO MEIO | Quais indicadores ou metodologias a FSB utiliza para mensurar e acompanhar a evolução da reputação de uma marca ou empresa ao longo do tempo?
Renato Salles: A FSB Holding trabalha com um modelo proprietário que combina indicadores quantitativos e qualitativos. Monitoramos desde métricas tradicionais — share of voice, favorabilidade de mídia, sentimento em redes sociais — até atributos intangíveis ligados a confiança, legitimidade e liderança setorial.
Além disso, conduzimos pesquisas de percepção com públicos estratégicos e utilizamos benchmarks internacionais de reputação corporativa. Com isso, entregamos aos clientes uma visão 360º que permite às empresas não apenas reagir, como também projetar cenários e consolidar uma trajetória reputacional sustentável.
NOSSO MEIO | Olhando para os próximos anos, que tendências ou mudanças de comportamento social você acredita que mais influenciam a forma como as empresas devem trabalhar sua reputação?
Renato Salles: A inteligência artificial será um vetor dessa transformação. As novas gerações já são nativas em IA, e a maioria das pessoas baseia suas decisões em informações encontradas em plataformas como ChatGPT ou Gemini.
Isso revela um desafio central: os algoritmos se alimentam de múltiplas fontes, e nem todas têm credibilidade. Cabe a nós, como gestores de reputação, garantir que informações de referência e confiança estejam disponíveis em veículos de alta legitimidade para que cheguem de forma correta aos stakeholders.
Nesse novo cenário, reputação se constrói não apenas com atuação prática coerente e presença, mas sobretudo com diligência, coerência e responsabilidade.
