Opinião
“Eu quero um emprego em que eu não precise ter rede social”, me diz uma querida amiga. “Isso existe?” é minha resposta. Passamos os próximos minutos tentando encontrar essa função. Para ela, profissões como professora não deveriam estar nas redes. Hoje, atuando nessa área não consigo ver como não estar envolvida na construção de imagem e reputação das redes. Mas me fica a inquietação: quem tem mesmo a real necessidade de estar nas redes sociais?
Essa conversa me remeteu a uma reunião com uma cliente há dois meses em que ela soltou: “Nós estamos aparecendo muito e isso tem me incomodado bastante”. Ela queria estar menos exposta nas redes, menos fotos, menos vídeos: “Não pode aparecer só nosso trabalho?”. Bom, era para ser isso, né? Mas se trabalharmos apenas posts sem pessoas o tal do algoritmo do Instagram não amplia a audiência. Ele exige que você se exponha.
E existe uma sensação de desconforto enorme ao se parar para refletir sobre todos os comportamentos que temos hoje porque os algoritmos “exigem”. “Parece que nós todos ficamos sob um feitiço”, diz um dos entrevistados do documentário “O dilema das redes” (2020, de Jeff Orlowski). A produção da Netflix traz o quanto as redes sociais intensificaram problemas sociais que temos hoje. E o quanto do “é necessário” no nosso relacionamento com elas é apenas construção do discurso de nomes como Google, Instagram, Titkok e Twitter.
As redes sociais nos foram apresentadas como terra do “qualquer um por virar influencer, ficar famoso e ganhar dinheiro”. Maior mentira jamais foi contada. Tiktok, um dos aplicativos mais baixados nos últimos dois anos, distribuiu documentos de moderação com diretriz para suprimir uploads de usuários com falhas congênitas e inevitáveis: “forma corporal anormal”, “aparência facial feia”, “barriga de cerveja óbvia”, “muitas rugas”, “problemas nos olhos” e sinais de pobreza como paredes rachadas. O documento foi vazado pelo Intercept Brasil: https://theintercept.com/2020/03/16/tiktok-censurou-rostos-feios-e-favelas-para-atrair-novos-usuarios/.
Um creator no Instagram tem que produzir material para feed, stories e reels num ritmo praticamente diário (não seria melhor deixar só diário). Tem que ter tempo e matéria-prima para investir. Também tem que ter o “perfil” que as agências procuram. Os contratos, fruto do dinheiro que sustenta de verdade um creator, costumam ter um tipo específico de procura. Ricardo Silvestre, da agência Black Influente, diz que influenciadores negros, por exemplo, são procurados em grande maioria com oferta de permuta, enquanto os brancos recebem em dinheiro ( https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2020/06/11/ricardo-silvestre-influenciadores-negros-nao-sao-valorizados.html )
E falando sobre esse tal algoritmo, a autora Carolina Perez chama a atenção para este mundo dos algoritmos, que é amplamente populado por homens que constroem raciocínios e respostas pelo seu ponto de vista, ignorando questões ou realidade femininas (Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men, 2019).
Sua empresa precisa estar nas redes sim, ela precisa produzir conteúdos e se relacionar com clientes. Mas podemos fazer nosso trabalho em uma busca ativa para quebrar as barreiras do mundo real que as redes reforçam e aumentam. Seja na escolha do tema do conteúdo a ser postado ou no creator contratado. E podemos ousadamente pensar em um relacionamento de negócios, e quem sabe pessoal, que vá além de posts. Talvez não uma profissão em que não se precisa estar nas redes sociais, mas um compromisso de buscar deixar que elas ditem menos nossa vida. A real.
Eugênia Cabral
Coordenadora de marketing digital da Caramelo Comunicação, e professora universitária dos cursos de jornalismo da UniFanor e Universidade Federal do Ceará – UFC. Jornalista formada pela UFC com Mestrado em Comunicação Estratégica na Universidade Nova de Lisboa, atuou como jornalista, redatora de conteúdo, assessora de comunicações e relações institucionais no mercado cearense.