Zotero

Publicado em

19/02/2024 09h29

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No ofício da vida cotidiana da Experiência do Usuário (UX), o uso de uma ferramenta que faz referências bibliográficas pode impulsionar a produtividade. Isso se dá não apenas acelerando o processo de citação, mas também contribuindo para aprimorar a qualidade do texto e melhorar a eficácia das pesquisas.Reclamo nesta croniqueta se o argumento de otimização do tempo afere qualidade ao resultado. Exprimo argumentos de um vigente campo teórico em expansão.

As Humanidades Digitais (HD) têm sido palco de um polêmico debate na comunidade acadêmica. A interseção entre tecnologia de computação e disciplinas humanística diz oferecer ferramentas para analisar, quantificar e visualizar aspectos da experiência humana que anteriormente eram entendidos apenas intuitivamente. Reclamo nesta croniqueta se este argumento abrange a produção científica. 

HD está sujeita a limitações e críticas, incluindo preconceitos e restrições herdadas das tradições de computação humanística. A aplicação da teoria crítica à computação humanística ou inclusão de perspectivas socioculturais é controversa per si. No palco, otimistas e céticos se encontra.

Tom Scheinfeldt é conhecido por sua visão progressista deste terreno. Compreende o campo como uma forma inovadora de explorar, analisar e disseminar o conhecimento. Argumenta que as HD transformam a maneira como os estudiosos se envolvem com o mundo, proporcionando novos meios para abordar perguntas acadêmicas. Em seus esforços enfatiza o potencial colaborativo das HD, vendo a  tecnologia como uma ferramenta que pode facilitar a colaboração interdisciplinar, abrindo caminho para novas descobertas e entendimentos.

Valorizando a inovação, Scheinfeldt encoraja uma abordagem experimental para as HD, esmiuçando novas modalidades de pensar, métodos de pesquisa e plataformas de publicação. Defende que as ferramentas digitais devem ser flexíveis e adaptáveis para atender a uma variedade de necessidades disciplinares e de pesquisa. Em meio ao seu otimismo, sem embrago, reconhece os desafios existentes no campo das HD. O império para novas infraestruturas de apoio, financiamento sustentável e reconhecimento institucional para que as HD possam alcançar seu pleno potencial é um deles.

Há um outro lado no habitus corrente de ser quali e quanti e isso afeta em plenitude os ofícios das pessoas pesquisadores de experiência. Patrik Svensson salienta a necessidade de definir as Humanidades Digitais como um campo distinto e não apenas como uma disciplina. Crê em suas dinâmicas, históricas e aspectos contextuais, sendo moldadas continuamente por lógicas institucionais, sociais e culturais.

Svensson reconhece que uma reconfiguração significativa do campo ocorreu ao longo dos anos, alude, sem nenhum embargo, que não se pode avançar de maneira produtiva sem uma sensibilidade histórica, autopercepção e genuína abertura. HD em sua óptica não existem sem sua história e que elas não são simplesmente um reflexo dos fatos correntes. Longe das intuições complexas que levantei.

Critica, embora membro da área, a noção de expandir a definição de HD para incluir todas as atividades digitais na área das humanidades. Para ele, a expansão da definição deve ser feita com “sensibilidade histórica, autoconsciência e genuína abertura”. Svensson levanta a sugestão de que é mister uma reorientação mais significativa do campo para realmente atingir seu potencial e amplitude. Defende, assim, um papel interseccional para as HD, proporcionando uma conexão entre múltiplas tradições e perspectivas epistêmicas.

Tom Scheinfeldt crê nas HD como uma força transformadora na produção acadêmica. Para ilustrar isso, explica em Hacking the Academy de 2013 o projeto “Zotero”.

Zotero é uma ferramenta de referência de código aberto desenvolvida pelo Center for History and New Media, onde Scheinfeldt já atuou como Diretor. Permite aos usuários coletar, organizar, citar e compartilhar fontes de pesquisa diretamente no navegador. Seu lançamento ilustra a visão “agile” de um HD científico, ao meu ver. 

Em vez de ser apenas uma ferramenta para ajudar os estudiosos a organizar suas referências, o Zotero também incentiva a colaboração, à medida que os usuários compartilham suas coleções de fontes entre si. A ferramenta facilita a cooperação e a disseminação do conhecimento entre os acadêmicos e, de maneira mais ampla, encoraja a transformação digital dos métodos de pesquisa tradicionais. Também emburrece. Quem dos seus atores-usuários distingue Chicago de ABNT?

Sim, as Humanidades Digitais representam uma nova forma de explorar e disseminar conhecimento, usando a tecnologia não apenas como uma ferramenta. Um meio para inovar e transformar a pesquisa e a colaboração acadêmica, não obstante, também permite ser questionado. A questão levantada pelo Zotero, ferramenta excludente aos atores-usuários que não a utilizam, é uma mera reflexão. Eu reitero: Temos melhorado a qualidade nas produções dos nossos relatórios?

Kochav Nobre
Auditor de pesquisa na Ernest & Young
Kochav Nobre é auditor em pesquisa na Ernst & Young (EY). Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.