‘No Ritmo do coração’ é eleito melhor filme do Oscar 2022 e abre os olhares para os espaços habitados por surdos em produções audiovisuais
Com o enredo que envolve os telespectadores, o filme No Ritmo do Coração aborda com leveza o contexto familiar de uma garota que é a única não surda da sua casa. A jovem chamada Ruby Rossi assume o papel de intérprete dos pais e do irmão mais velho e vive os dramas de uma adolescente muitas vezes não compreendida pela família, mas sonhadora e apaixonada por música.
Com o título em inglês denominado Coda, sigla utilizada para se referir a frase children of deaf adults (filhos de pais surdos), é perceptível como Ruby tem a linguagem de sinais como a sua principal ferramenta de expressão e isso se torna motivo de bullying na sua escola. Superando os seus medos, a jovem silencia o bullying sofrido por anos e resolve tomar uma atitude surpreendente, entrar na turma do coral. Com talento nítido, Ruby vê na música a possibilidade de mudar sua trajetória e entrar na faculdade.
Para Mariana Lima essa história é familiar. Filha de pais surdos, Mariana entende perfeitamente o enredo apresentado no filme e conta como a personagem a representou:
“Algumas cenas do filme me lembram do período da adolescência e soa familiar algumas situações, sentimentos…a sensação de viver em dois mundos completamente diferentes é muito real, muitos CoDAS relatam essa experiência e ela perdura a vida toda”, revela.
Mariana, a que está de blusa preta e branca na foto ao lado, é a filha mais velha de uma família com três irmãs e por ter mais idade, geralmente era ela que assumia esse papel de intérprete dos pais. Atualmente, Mariana é professora e coordenadora do curso de Letras Libras na UFC e atua como intérprete e tradutora de Libras-Português há mais de 18 anos.
Falando sobre acessibilidade e as múltiplas produções audiovisuais, Mariana revela que “as propagandas são um dos gêneros que mais tem se tornado acessível. Hoje é mais comum você encontrar propagandas com tradução para a Libras, mas muitas vezes pecam pela qualidade ou um formato ruim, pequeno demais, de ruim visualização”, conta a professora.
O diretor de criação da Bolero Comunicação, Julio Temporal, relata que a acessibilidade é um tema urgente no mundo da publicidade e em todas as esferas sociais.
“A inclusão, de uma forma geral, é tema recorrente no meio publicitário e vem sendo amplamente debatida por profissionais do mercado e também por criadores de vídeos e conteúdos para a internet”, enfatiza o publicitário. Julio ainda acrescenta que campanhas publicitárias acessíveis costumam ser restritas à propagandas públicas. “É preciso pensar na possibilidade de adotar esses recursos (legendas e língua de sinais) como padrão em todas as campanhas”, acrescenta o diretor.
A grande virada de chave da obra foi em transmitir organicamente a vivência e as dificuldades de pessoas surdas, tornando o humor um ingrediente infalível no cotidiano dos personagens. Porém, a grande conquista do elenco de ‘No Ritmo do Coração’ e o que marcou a inclusão fora das telinhas foi a grande conquista do ator Troy Kotsur (pai de Ruby), que se tornou o primeiro ator surdo a ganhar um Oscar de atuação, sendo premiado na categoria de melhor ator coadjuvante.
Antes disso, a atriz Marlee Matlin, que interpreta a mãe da Ruby no filme, tinha sido a única pessoa surda a ganhar o Oscar em 1987, como melhor atriz no filme ‘Filhos do Silêncio’. O Consultor do Núcleo de Apoio à Acessibilidade e Inclusão da UECE, Klístenes Braga, explica por qual motivo esse fato demorou 35 anos para acontecer novamente.
“Certamente a falta de compromisso com a inclusão nas produções culturais, de um modo geral, possibilita esse tipo de abismo. Ainda é quase imperceptível a quantidade de produções cinematográficas que têm atores e atrizes surdas ou com deficiências nos seus elencos”, relata.
A obra cinematográfica conquistou o coração de todos e se tornou no último domingo a grande premiada como melhor filme. ‘No Ritmo do Coração’ chegou a Fortaleza e pode ser assistido nos cinemas do shopping Iguatemi e Benfica.
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