A semiótica do café: Orfeu com Niemeyer

Publicado em

17/04/2024 09h10

Compartilhe
  • Whatsapp
  • Linkedin

Produto multissensorial por excelência, o café é parte de quem somos. Se a identidade brasileira é ligada à terra – sabemos disso desde a carta de Pero Vaz de Caminha, de 1º de maio de 1.500 (…dar-se-á nela tudo…), primeira peça publicitária nacional –, o café está no nosso DNA.

Das cores vibrantes dos esféricos e apinhados frutos verdes, vermelhos ou amarelos, que se contrastam debruçados sobre os ramos em tonalidades de verdes mais escuros das folhas firmes e brilhantes às delicadas flores brancas, aos múltiplos marrons das terras e das torras, aos sabores intensos ou suaves que podem ser doces ou amargos, aos aromas que incitam a memória e envolvem, da estimulação energética e cognitiva ao bem-estar e ao prazer pela liberação de dopamina, o café é pura imersão sensível.

Símbolo da grandeza de um país, do trabalho produtivo, do patrão e do empregado, da complexidade dos processos, da enxada ao satélite, da qualidade obsessiva e da precisão, dos concursos, prêmios e condecorações, do produtor, do engenheiro agrônomo, do mestre da torrefação, do barista ao Q-grader, o café é trabalho e ciência.

Em grão ou moído, mobiliza vasta cultura material que passa pelo bule, pelo coador ou pelo filtro, pela xícara ou pelo copo americano, pela cafeteira ou pela garrafa térmica. Curto, carioca, longo, duplo, expresso, coado, com leite, descafeinado, orgânico. Mas também pode ser em cápsulas ou drip. O café é versátil.

Da paradinha que nos resgata em meio ao peso da rotina ou a desculpa para o encontro; do ritual mais sofisticado ao mais prosaico, do diminutivo que em nada diminui – o cafezinho é afeto e relação.             Esta vasta potência de significados e tantas outras conexões podem ser manejadas criativa e estrategicamente como sustentação e posicionamento das mais variadas marcas de café, principalmente aqueles especiais, como é o caso do café Orfeu e seu mais novo microlote que acaba de ser lançado na SP Arte 2024, no Pavilhão da Bienal de Arte do Ibirapuera, a edição de cafés especiais Orfeu Niemeyer.

Dos cafezais que circundam a capela Santa Clara – um presente do arquiteto aos trabalhadores da fazenda, obra que emociona pela singularidade do traço, pelo contraste das cores e pela transcendência que provoca – para a morada da arte e para o nosso deleite. O microlote Orfeu Niemeyer tem embalagens criadas pelo designer Pedro Capelletti, inspiradas nas obras do arquiteto, para as versões grão, moído, cápsula e drip, e carregam a organicidade e a sofisticação que tornaram Niemeyer o emblema da arquitetura monumental, curvilínea e simbólica no Brasil e no mundo.

A sensibilidade do traço arquitetônico, aliada à elegância do branco com os toques metalizados da identidade visual de Orfeu e a assinatura de Oscar Niemeyer, tornam as embalagens, também elas, arte. Arte por fora, arte por dentro. Cafés especiais, com tudo que isso significa: esmero no plantio e na colheita, seleção minuciosa, torrefação progressiva, obsessão pela qualidade, equipe de excelência, tudo isso para assegurar a melhor qualidade da bebida e, com isso, a melhor experiência sensível.

E o lançamento do café Orfeu Niemeyer conta ainda com xícaras exclusivas idealizadas a partir de Inteligência Artificial alimentada pelas obras do arquiteto, processo conduzido pela agência Crispin Porter + Bogusky (CP+B). Após a criação tecnológica, as peças foram esculpidas manualmente pelo artista plástico Lair Uaracy e pelo ceramista Fernando Aidar, do estúdio Caboco, que utilizaram a própria terra da fazenda para fazer cada peça. Criação com tecnologia, significado e arte. Também integra a campanha filme publicitário que apresenta todo o processo de plantação e produção do café, a capela Santa Clara e o depoimento do bisneto de Niemeyer, reconhecendo o valor do projeto realizado.

A integração entre forma (embalagem e xícaras inspiradas em Niemeyer) e conteúdo (cafés especiais) já carrega enorme potência sígnica e, quando se adicionam significados simbólicos (arte, longevidade, cultura, dádiva…) a essa mistura, o resultado é uma explosão estética e sedutora. O efeito simbiótico provoca a fusão entre as qualidades dos objetos com a interioridade sensível de quem experimenta.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.