O Fim do User Centric

Publicado em

15/04/2024 16h07

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Medir o engajamento de um “usuário” sem considerar a sua relação com o Outro é baldo. Já se procedeu a um cenário dominado por debates sobre a estrutura e a essência da linguagem, olvido em reports que fazem-se aferir uma Experiência do Usuário. Do que reclamo em Nosso UX por experiência do ator conferido por um “estar em uso”. Aludo que um “dever para com o próximo” faz jus a novos frameworks de pesquisa nos estádios de Discovery de funcionalidade técnicas. Justifico sintetizando um aprendizado seminal: o tratado de Levinas sobre a linguagem.

Nos Estudos Judaicos Contemporâneos: Filosofia, Política e Linguagem da Academia Judaica, iniciativa da CIP, comunidade à qual participo, as colegas Christine Lopes e Hannah Leitão elegeram um texto de John Llwelyn, ao qual dedico-me a tangenciar aos ofícios de UX: “Levinas and Language” (2002). Ouso reler.

Intriga-me, em Emmanuel Levinas, a noção de “traço”, detalhada na dicção teórica ‘Para além do Ser’ (“Otherwise than Being”). Aplico-a em um reconhecimento de que um compromisso ético com o Outro, ao adotar novos métodos de pesquisa que visam descobrir funcionalidades técnicas, planeia-se aos ritos de UX. Falham, a meu ver, as pessoas pesquisadores que geram insights a partir de um “Sim”, sem explorar a relação “Não” relacional do falante. 

Llwelyn remete ao tratado uma noção que brotou das sementes das teorias de Ferdinand de Saussure, que postulava a língua como uma teia de elementos que ganhavam valor não através de um significado inato, mas através das suas justaposições. Isso abre caminho para ressignificações, como a compreensão de traces.

O conceito de “traço” em Levinas, refere-se à sua óptica linguística enquanto um evento ético que marca nossa responsabilidade para com os Outros. Levinas adota o termo significante do estruturalismo, aplicando-o ao falante humano, entendendo-o como uma face única que comunica além das limitações da linguagem sistemática ou histórica. 

Transcende, propondo uma dimensão ética original da linguagem, na qual o ato de falar implica uma obrigação ética que precede e supera nossas expressões linguísticas. Essa vocação ética impõe uma responsabilidade além do sistema, essencialmente ligada ao encontro da esquina, de quando se encara o acontecimento face a face.

Levinas encontra temas ontológicos de Martin Heidegger – entrelaçando o Ser com a dissecação linguística. Outrossim, promove um pivot, conduzindo o diálogo de um dever para com o Ser – como Heidegger o quer – para um dever para com o próximo. O que digo é:

A linguagem transforma-se num assunto ético, uma ocorrência que sussurra as nossas promessas uns aos Outros, uma sensação que se agita antes e vai para além dos nossos dialetos culturais ou históricos. Levinas apresenta a linguagem como uma dimensão moral original, em que o ato de proferir – dizer – tem um peso ético que ultrapassa o dito

Este peso da moralidade apoia quando reclamo acerca dos traços de acontecimentos face a face. Através da arquitetura filosófica de Levinas, a linguagem alcança a justiça ao defender o Outro. Formula-se uma dialética em que o ato de rotular corre o risco de anular a posição do Outro, ao passo que o discurso ético nos convida searas contrárias. Uma elevação acima das cáveas sistemáticas da linguagem estruturalista.

Parece-me apropriado, assim, pensar que um “usuário” sugere rastros (insumos qualitativos), com sua capacidade relacional e ética com o Outro. Ora, se isso for verdade, a pesquisa de UX, deve ser vista como uma metodologia que deve afastar-se do User Centric para o Actor Engagement.

A metodologia de Levinas, de fato, indica que, através da repetição e do reconhecimento de um discurso comprometido com a responsabilidade, podemos ultrapassar o carácter indicativo ou declarativo da linguagem.

O tratado de Levinas sobre a linguagem não é, portanto, uma mera ponderação filosófica, mas uma convocação ética – anuncia um dever inerente ao nosso próprio envolvimento verbal com o Outro. 

Destaco, por fim, o face a face e o traço, como esboços de uma realidade relacional fundamentada em laços éticos inabaláveis, os quais abordarei em exemplos de Discovery na próxima croniqueta.

A necessidade de considerar a relação do “usuário” com os outros ao medir seu engajamento é o que o leitor encontrará em minhas próximas intervenções de Nosso UX. Assim, serão apresentados exemplos de dinâmicos centrados na Experiência do Ator-Usuário, propondo uma mudança do tradicional enfoque no usuário para uma abordagem que priorizará o Engajamento do Ator. Um dever ético para com o próximo.

Kochav Nobre
Auditor de pesquisa na Ernest & Young
Kochav Nobre é auditor em pesquisa na Ernst & Young (EY). Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.