Sobre o fenômeno NPC: a vitória das minorias com infantilização e dinheiro 

Publicado em

29/11/2023 10h11

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A dinâmica das redes digitais é intensa em novidades e rapidez, sempre nos oferecendo a possibilidade de provarmos novas experiências de produção e consumo midiático. Recentemente, fomos tomados pelos vídeos NPC. Trata-se basicamente de vídeos ao vivo, lives, produzidos por criadores e influenciadores que atuam como personagens secundários – uma espécie de figurantes, os chamados personagens não jogáveis, daí a sigla NPC – Non Playable Character, dos jogos digitais. 

            Em boa parte dos games, há a presença de personagens comandados na programação que não atuam diretamente pela intervenção dos usuários, mas cumprem a função de complementar o contexto, ornamentar o cenário e ampliar a ludicidade dos jogos. Esses personagens, portanto, não são interativos, formam uma espécie de minoria silenciada, para usarmos uma terminologia bastante up to date. O que vemos agora é a produção de vídeos onde seus criadores encenam a narrativa assumindo as características destes personagens secundários. O que nos estimula a pensar: o que significa este novo fenômeno?

            Simular esses personagens, como o fazem alguns criadores e influenciadores, pressupõe uma produção performática envolvendo vestimentas, maquiagem, acessórios diversos, mas, principalmente, comportamentos (repetitivos) e tom de voz (infantilizada), configurando uma teatralização programada, robotizada e controlável. Ainda que existam lives NPC sem a incorporação de personagens, menos expressivos na rede, a repetição dos comportamentos e a infantilização das falas se mantém, atuando por meio de comandos dos usuários da rede. Aliás, este aspecto é uma das explicações do fenômeno – a produção da sensação de controle por parte dos usuários, isto porque os comportamentos dos personagens não jogáveis, ainda que repetitivos, acontecem mediante a interação nessas lives, mediada sob a forma de presentes (figurinhas: rosa, milho, café, leão, panda…), que são, em verdade, obtidos por meio de pagamento (moeda da rede social), depois transformados em remuneração da plataforma (TikTok, por exemplo) e do criador.  Assim, a possibilidade de remuneração é outra explicação do sucesso deste fenômeno, ganhar dinheiro, em certa medida, fácil (por meio da diversão) e com potencial de expansão sem fronteiras. Além de ser lucrativo para a plataforma e para o criador, os vídeos NPC têm gerado uma infinidade de memes, reforçando a circulação dos conteúdos, em um contexto de ludicidade, descontração e criatividade infantilizada.

            Trata-se de um fenômeno que mistura escapismo lúdico, exercício de controle por parte de “minorias” (os NPCs nos games seriam essas minorias) e fonte de receita simplificada, apoiada na popularidade massiva dos influenciadores que são seus criadores. Resta saber se os gestores do Tiktok querem seguir com a produção dessas lives com finalidades bastantes frágeis e questionáveis.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.