Cinza e amarelo: o duplo cromático para 2021

Por Clotilde Perez

06/01/2021 08h11

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Artigo

 

Todos os anos o Pantone Color Institute divulga ao mundo a cor do ano escolhida pelos seus especialistas. Responsável por influenciar vários segmentos da indústria e do consumo, a cor do ano inspira e faz mover a economia da moda, design, beleza, joalheria, construção, arquitetura, automobilística e tantas outras, além de inúmeras consultorias em decoração, mobiliário, revestimentos, design gráfico etc.

 

Para 2021, assim como já havia acontecido em 2016 (rose quartz e serenity), a escolha foi por um duplo cromático: cinza e amarelo, ou mais precisamente Ultimate Gray PANTONE 17-5104 e Illuminating PANTONE 13-0647. Segundo a diretora do Instituto Leatrice Eiseman “A união do resiliente Ultimate Gray com o amarelo vibrante Illuminating expressa uma mensagem de positividade apoiada pela força e moral. Prático e sólido como uma rocha, ao mesmo tempo caloroso e otimista, esta é uma união de cores que nos passa resiliência e esperança. Precisamos nos sentir encorajados e encantados, isso é essencial para o espírito humano”.

 

Sabemos que as cores, para além da sua dimensão fisiológica, com os diferentes cumprimentos de ondas que penetram nosso olho provocando percepções e sensações diversas, há ainda uma dimensão cultural, muito variável e outra psicológica, essa ainda mais mudável, pois é resultante de inúmeras sensações, percepções e experiências cromáticas acumuladas ao longo da vida de cada um de nós. Ainda assim, há sentidos de poderíamos sugeri-los com bom grau de universalidade, tendo em conta, por exemplo, o mundo ocidental, ao qual pertencemos. No oriente, os significados das cores podem ser drásticos, inclusive com graus de oposição frente aos caminhos signicos do ocidente.

 

Assim, no ocidente, a cor cinza (denominação que vem do latim), mistura da cor preta com a branca, traz associações com austeridade, seriedade, resignação, sobriedade, mas também pode significar moderação, temperança e tristeza. Muito associada ao universo de luxo, por vezes em parceria com a cor preta ou mesmo branca, a cor cinza confere refinamento em determinados contextos pela neutralidade que é capaz de provocar, mas em tantos outros, conecta-se com ao desânimo e abatimento. Essa associação tem suas origens nos vestígios de certas substâncias queimadas – cinzas – mas também pela observação do ambiente natural, céu acinzentado, pouco iluminado, prenuncio de mau tempo e tempestades, conexões indiciais. Quarta-Feira de Cinzas, cinzas dos defuntos, as cinzas da história (o tempo já consumado, destruído…), cidade cinza (concreto, cimento e edificações), são denominações correntes que trazem associações signicas com penitência, desolação, saudade, despojo, resto, ruínas, dureza e desumanização.

 

Por sua vez, o signo cromático amarelo, é intenso, impulsivo e vibrante; associa-se a iluminação, brilho, riqueza, calor, dinamismo, etc., pelas relações diretas ao sol e as qualidades do ouro e outros metais. É uma cor que chama atenção e desperta impulsos de alerta e adesão (amarelo no semáforo, a bolinha amarela do jogo de tênis…). Amanhecer, meio-dia, euforia, são associações possíveis e muito positivas. Pela sua origem latina (amarellus) vincula-se a palidez, aquele que descorou, que perdeu a cor por algum motivo, como acontece em patologias hepáticas, na Malária ou impaludismo, pois provocam o amarelamento da pele pela atuação direta na destruição das hemácias. A cor amarela também está associada a melancolia, sentimento de tristeza profunda, certo tipo de desencanto ou mesmo depressão, muito tematizada pelos pré-românticos, hoje estudada como uma fase possível de acometimentos psiquiátricos mais complexos, tem essa denominação pela origem associada a “pessoas que tinham bile negra”. Essa é a razão do mês de combate e prevenção ao suicídio ser chamado setembro amarelo e ter um laço amarelo como símbolo do movimento.

 

Mesmo que a Pantone afirme que o cinza e o amarelo são uma união de cores que trazem “a mensagem da força e da esperança, ambas eternas e inspiradoras” (*), podemos afirmar em outra direção reflexiva, que as conexões com tristeza, angústia e sofrimento, zeitgeist planetário duramente vivido em 2020, transbordam para 2021, restando tão somente uma fresta de positividade no inevitável aquecimento radiante da cor amarela e na neutralidade madura indispensável da cor cinza.

 

Nós nos expressamos também pela linguagem das cores e reconhecemos que elas são uma privilegiada forma de comunicação simbólica, com potentes efeitos sobre nossas percepções, ideias, sentimentos e reações. A linguagem cromática permite identificação com sigo mesmo e construção de vínculos sígnicos com o outro e, nesse sentido, a parceria amarelo-cinza é mais índice do que ícone ou símbolo de 2021, mais efeito do que qualidade ou representação.

 

Clotilde Perez

Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, Clotilde Perez é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.