Esporte como mídia para temas sociais

Por Clotilde Perez

14/12/2022 09h00

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A Copa do Mundo de Futebol é um dos maiores eventos esportivos, movimentando bilhões em faturamento e audiência. Na edição de 2022, o que tem sobressaído, no entanto, é a discussão em torno do tratamento dado aos trabalhadores imigrantes e à comunidade LGBTQIA+. Embates que ressoam sobre futuros negócios para o país-sede, mas também do esporte como mídia para temas sociais, a partir de uma moral universal.

 

O esporte está atado ao conceito de mídia, sobretudo o futebol, no Brasil e em países com tradição no jogo. Isto porque tem seguido uma lógica midiática no seu desenvolvimento, que não é apenas do uso da tecnologia como VAR, scout ou transmissões. Vai adiante, ao ser pensado como espetáculo, meio de propagação de mensagens atreladas à cultura, assim como seu formato de financiamento e os sentidos que ocupa.

 

O futebol como mídia abarca a transformação dos estádios em arenas, dos times em grandes marcas influenciadoras, da interação entre jogadores e técnicos com torcedores. Ou seja, ultrapassa o jogo como socialidade ou área independente, para estar atrelado ao desenvolvimento midiático. Assim, pode ser pensado como espaço de produção de sentido cultural na sociedade: mídia, por essência. O que inclui a propagação de temas sociais.

 

Na pesquisa “Futebol midiatizado, identidade cultural e reconhecimento nos fluxos comunicativos digitais”, publicada na Revista Contracampo, da Universidade Federal Fluminense, os temas racismo, machismo e homofobia foram respectivamente os mais discutidos no Twitter ao envolver o futebol brasileiro. As interações na rede abrangem, em sua maioria, degradação dos interlocutores e a retomada de episódios em campo como exemplo para discutir os temas. Os resultados ainda mostram que os perfis dos usuários envolvem tanto organizações quanto pessoas físicas e que as ações ultrapassam o ambiente digital.

 

Nesta Copa, o esporte como mídia pode ser visto nas braçadeiras dos jogadores com referência ao racismo ou pró-LGBT, no ato de se ajoelhar em campo ou colocar a mão na boca e nas manifestações de técnicos, jogadores e autoridades públicas, sejam elas favoráveis ou não aos temas sensíveis para a qualidade de vida de alguma comunidade. As marcas também assumiram esse papel, como a Pantone, propondo uma bandeira do orgulho apenas com a referência numérica das cores do arco-íris e fundo branco, assim como os patrocinadores sofreram ataques de grupos ativistas. Em contrapartida, as manifestações da FIFA reforçam a dinâmica de lutas, de negociações existentes nessa discussão.

 

A mesma dinâmica tem sido utilizada pela publicidade de causa, envolvendo marcas no auxílio de demandas públicas, em conjunto com organizações da sociedade civil. Contexto que reflete a baixa confiança em governos e nas instituições tradicionais para resolver problemas sociais, como já antecipa a pesquisa Barômetro de Confiança (Trust Barometer) da Edelman. Essa visibilidade midiática, paralela às receitas financeiras, é igualmente esperada no esporte, em que as redes digitais ampliam a abrangência das mensagens e seu rápido espalhamento em busca de esperança para a mudança de cenários.

 

Esta é a grande potencialidade da mídia: expor, trazer à tona, tirar do não dito, revelar, publicizar e propagar. Contudo, o que se faz com essa visibilidade é o que mais importa. Isto é, como as mensagens simbólicas de jogadores, marcas e outras organizações podem ser utilizadas para discutir e mudar cenários, serem apropriadas pelas comunidades. Essa será cada vez mais uma competência central para as pessoas que atuam em pautas sociais, em um contexto com intensa vigilância de cidadãos e consumidores, que podem pressionar o poder público.

 

Clóvis Teixeira Filho

Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e Coordenador de Pós-Graduação na Área de Comunicação do Centro Universitário Internacional UNINTER

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.