Diversidade

Mercado Neurodiverso: A arte como ferramenta de autoconhecimento 

Publicado em

14/11/2023 11h00

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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado pelo comprometimento das áreas de interação social e comunicação. Apesar de a inserção de autistas no ambiente corporativo ser garantida pela lei de cotas, que determina a participação mínima para quem possui qualquer deficiência, poucas pessoas do espectro de fato estão empregadas. O preconceito e a falta de assistência e de suporte para essa comunidade são algumas das razões para isso.

Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 85% dos profissionais autistas estão fora do mercado de trabalho, dado que revela um longo caminho a ser percorrido para alcançar a inclusão. Para incluir pessoas com autismo, primeiramente é preciso conhecer a fundo as práticas inclusivas que ajudam a proporcionar ambientes de trabalho mais acolhedores e produtivos.

Glairton Santiago é musicoterapeuta clínico e convive de perto com as práticas de inclusão. Ele atua há 8 anos com pessoas com transtorno do Espectro Autista e na neuroreabilitação. Além da atuação clínica, o profissional foi presidente da Associação de Musicoterapia do Ceará (AMTCE) de 2016 a 2023. Também foi Vice-Presidente da União Brasileira das Associações de Musicoterapia. E também é diagnosticado com autismo.

“Antes de ser diagnosticado com autismo, eu já desenvolvia atividades profissionais na área da docência, clínica e artística. Mas, em geral, sempre tive dificuldades nos aspectos mais diretamente ligados à comunicação e interação social. Embora minhas habilidades e competências profissionais tenham sido sempre satisfatórias, não era fácil quando precisava interagir ou desenvolver atividades em grupo sem que eu não estivesse vivenciando um alto grau de ansiedade e esforço para me “enquadrar” nos padrões tidos como normais”, afirma.

Quando iniciou sua carreira profissional, Glairton ainda não possuía o diagnóstico. Ele afirma que as dificuldades inerentes à condição do autismo não geram grandes desafios para ele. Porém, vê uma certa diferença no tratamento das pessoas em relação a ele.

“Hoje, com a publicidade do meu diagnóstico, tenho notado que em determinadas situações, parece que pelo fato de ser autista, algumas pessoas se posicionam com certas reservas. Posso dar um exemplo de uma família que encerrou o tratamento de seu filho comigo depois que eu falei publicamente sobre meu diagnóstico”, lembra.

Assim, para que os autistas sejam firmados como sujeitos de direito, e tenham reconhecida sua garantia de acesso ao mercado de trabalho, é preciso que exista um maior fomento à criação de medidas que possibilitem a inclusão, visando à concessão de melhores condições de ingresso ao mercado laboral pelo autista.

Para Glairton, apesar das informações, ainda existe uma grande parcela de pessoas que não compreendem o autismo da forma correta.

“Ainda existe o preconceito explícito e o velado que é possível ser notado em situações, principalmente, em que a pessoa autista faz uso dos seus direitos, como, por exemplo, o atendimento preferencial nos lugares em geral. Acredito que ainda é preciso ser feito muito para a real acessibilidade, inclusão e acolhimento das pessoas autistas, considerando a diversidade como a condição se expressa em cada pessoa. Especificamente no mercado de trabalho, é necessário que se tenha mais oportunidades de preparação tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista humano nas instituições empregadoras. É fundamental que as pessoas autistas sejam vistas sob a ótica de seus talentos e potencialidades e não somente sob a ótica de suas dificuldades”, cita.

Por lidar com a música, Glairton aprendeu a compreender o diverso. Desenvolveu habilidades de interagir com as pessoas e de se compreender como um ser único, assim como as outras pessoas.

“Tenho a felicidade de poder dizer que minhas altas habilidades com a música me possibilitaram um reconhecimento profissional que, de certa forma, me ajudou no posicionamento que tenho hoje como musicoterapeuta”, fala.

Atualmente atendendo no Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (NUTEP), onde desenvolve um trabalho com crianças autistas e familiares, Glairton sua sua experiência no dia a dia do seu trabalho. Na área da docência, atua como professor em cursos de Pós-Graduação em Musicoterapia, Arteterapia e Psicopedagogia.

“Digo que a música me ajudou a me estruturar como ser humano. Através da música aprendi a me conectar com o outro, a compreender o outro em sua individualidade, a produzir com o outro e a me compreender e acolher, mesmo nos piores momentos que já enfrentei”, lembra.

Sobre seus próximos projetos, Glairton deseja continuar contribuindo para o desenvolvimento da sua profissão.

“Desejo poder contribuir para o desenvolvimento o máximo possível das pessoas com quem eu tenho a oportunidade de trabalhar. Também pretendo publicar em breve um livro na área da Musicoterapia Clínica, e assim poder compartilhar também um pouco de minha experiência clínica”, finaliza.